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  • Foto do escritorCesar Henrique de O. Costa Jr

Taiwan: uma ilha entre a China e os EUA

Atualizado: 11 de ago. de 2023

As relações entre China e Estados Unidos têm sido o principal assunto da pauta internacional. O crescimento econômico chinês nas últimas décadas tem ameaçado a posição hegemônica dos estadunidenses. Com o acirramento da disputa entre as duas potências, muitos analistas já comentam sobre a possibilidade de uma nova divisão global, aos moldes da antiga Guerra Fria.


Dentro deste contexto, a pequena ilha de Taiwan ocupa um espaço destacado mas pouco comentado no Brasil. Assim que Donald Trump se tornou presidente, os Estados Unidos começou a se reaproximar, aos poucos, da pequena ilha asiática. Entretanto, as relações avançaram para além do esperado este ano, com o anúncio de uma série de vendas de armamentos estadunidenses aos asiáticos. Estes anúncios, fogem o padrão recente do país de não vender armamentos estratégicos para os taiwaneses, a fim de não incomodar a China. Dessa forma, este ato agora, foi entendido como uma grande provocação. A pergunta que fica, é:


Por que o relacionamento com a ilha asiática, afeta tanto as relações entre as duas potências e o sistema internacional?

Contexto Histórico


Para começar a responder essa pergunta, é preciso voltar um pouco na História. A Ilha de Taiwan, também conhecida como Formosa pelos europeus, na maior parte do tempo histórico fez parte do Império Chinês. No entanto, em momentos de disputa com outros países, saiu do controle do império. Um dos maiores exemplos foi a ocupação japonesa em 1875, como parte do início das invasões do Japão por toda Ásia. Com o fim da Primeira Guerra Sino-Japonesa, em 1895, a ilha ficou em posso definitiva dos japoneses até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.


Quadro japonês sobre a Batalha de Stonegate de 22 de maio de 1874.

O interesse na ilha sempre foi por sua localização estratégica, pois, a partir dela é possível controlar determinadas rotas comerciais essenciais para a região. O Japão, por exemplo, conseguiu projetar suas forças para dentro do continente, utilizando os rios que desaguam próximo a ilha, garantindo o controle do Mar Amarelo e do leste chinês. Mais tarde, durante a Segunda guerra Sino-Japonesa, foi o controle de Taiwan que permitiu o bombardeio sobre os alvos civis de Shanghai e Nanjing, que causaram mais de 300.000 mortes do lado chinês.


Em 1949, com o fim da Guerra Civil Chinesa e a consequente vitória dos comunistas, os nacionalistas do Kuomintang, derrotados, se refugiaram na ilha, onde estabeleceram seu governo. Desde então, Taiwan tem se autogovernado com um grande suporte dos EUA, por conta de um estado de guerra constante. Até hoje, reivindicam ser a representação legítima de toda a nação chinesa. Percebe-se aqui, portanto, a raiz de toda a problemática que envolve as relações da ilha com o continente até hoje e a participação dos americanos nessa relação complicada.


O princípio de uma só China

Territórios atualmente administrados pelos dois governos que se autointitulam a China legítima.

O fato é, hoje, existem duas Chinas. A República Popular da China, que controla todo o território continental sob o poder do Partido Comunista Chinês e a República da China, que controla a ilha de Taiwan e algumas ilhas em volta. Ambos os governos reivindicam ser, o único e legítimo governante de todo o povo chinês, enquanto o outro é um usurpador.


Sendo assim, para o governo da China continental, a ilha é uma província rebelde. Enquanto que, para o governo de Taiwan, o Partido Comunista governa ilegalmente o continente. Porém, apesar da disputa pelo poder, a visão histórica de ambos os lados serem parte do território chinês, de forma indivisível, é comum. Essa concordância é conhecida como princípio de uma só China, que preza pela unidade do território e da população como parte de uma mesma nação.


A partir deste princípio, qualquer Estado ou Organização Internacional precisa reconhecer formalmente uma das Chinas. Na prática, isso faz com que se você tem relações formais com Taiwan, não poderá ter relações formais com a China continental e o inverso é verdadeiro. Este é o motivo que torna bastante complicado, as relações formais de Estado como o governo atual dos EUA vem devagar promovendo com a ilha.


Reconhecimento Internacional e o Período do Kuomintang


O Kuomintang se manteve no poder da ilha, sob uma lei marcial, até 1987. A política de partido único era garantida pelo constante estado de guerra da ilha, mantido devido à ameaça de uma invasão dos comunistas. O governo teve na maior parte deste período a liderança do general Chiang Kai-shek. Ele nunca manifestou nenhum tipo de reconhecimento do regime comunista, fazendo questão de afirmar que a República da China era a única e verdadeira, a China livre.


General Chiang Kai-shek

Apesar da superioridade militar dos comunistas ao final de 1949, a Guerra da Coreia levou os EUA a oferecer apoio militar a Taiwan, na tentativa de conter o avanço comunista no leste asiático. Este apoio estadunidense consistiu em tropas estacionadas na ilha, juntamente com navios de sua marinha que patrulhavam o estreito de Taiwan, evitando assim que a República Popular tentasse a invasão. Este apoio é extremamente importante para garantir a autonomia da ilha até os dias de hoje, além de ser um dos maiores empecilhos na relação dos americanos com a China continetal.


Foi com esse apoio, por exemplo, que a República da China Taiwan — se manteve como a representação oficial da China para o Ocidente até 1971. Isto significava que eles que detinham o assento correspondente aos chineses nas Nações Unidas. Até essa data, apenas os países do bloco socialista haviam reconhecido a República Popular como a China. Isso mudará em 1971, com a famosa aproximação entre os americanos e a China comunista através da chamada Diplomacia do Ping Pong liderada por Henry Kissinger.


Essa aproximação vai garantir a troca formal de reconhecimento por parte dos países. Em 1978, a República Popular passa a ser a verdadeira China para o Ocidente e passa a ocupar o assento nas Nações Unidas. A maior parte dos países do mundo vão realizar a troca formal do reconhecimento. Isso faz com que Taiwan se torne um território, que apesar de ter as características fundamentais para ser um Estado, não tenha o reconhecimento suficiente para tal.


Nos dias de hoje


Com as reformas democráticas após 1987, cresceu muito a ideia de uma identidade taiwanesa própria, diferente da China. Isso fez aumentar uma demanda por independência, na qual seria abandonado o princípio de uma só China, com a criação de um Estado de Taiwan a parte do chinês. Esse movimento levou a atual líder do país, Tsai Ing-wen, ao poder.


Apoiadores da presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, exibem cartaz escrito "Diga não à China" durante comício em Taipé [Imagem: SAM YEH / AFP]
Presidente taiwanesa Tsai Ing-wen

Contudo, a questão do reconhecimento internacional é fundamental para conectar a situação apresentada no início deste texto e a questão política atual. Com a entrada da República Popular nos fóruns mundiais, uma de suas principais estratégias contra Taiwan tem sido o uso de sua diplomacia para isolar cada vez mais a ilha. Uma das principais pautas da política externa chinesa, especialmente em matérias de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, acabam servindo a este propósito. Hoje, apenas 15 Estados reconhecem Taiwan, sendo a maioria deles insulares do Caribe e do Pacífico. O país de maior peso internacional destes é o nosso vizinho Paraguai.


Dessa forma, é justamente sob a mesma arma da diplomacia que os EUA utilizam a ilha para pressionar a China. A leitura possível, que apresento aos leitores, é de que a reaproximação com a ilha tem sido a forma de Trump mostrar para os chineses, que podem utilizar sua influência internacional novamente. Dessa vez, para apoiar uma demanda por independência, de um Estado estrategicamente posicionado, que pode forçar a todos os outros Estados do mundo a terem novamente que escolher qual lado irão apoiar. Isso não te lembra outro momento histórico?

 

Para saber mais:


- Livro Taiwan - um futuro formoso para a Ilha?, de Paulo Antônio Pereira Pinto, publicado pela Editora UFRGS;


- Livro O Dragão Chinês e o Elefante Indiano, de Paulo Fagundes Visentini, publicado pela Editora Leitura XXI;


- Livro Relações Diplomáticas da Ásia: Articulações regionais e afirmação mundial, de Paulo Fagundes Visentini, publicado pela Fino Traço Editora;




- Monografia China e Taiwan : evolução das relações interestreito, de Gustavo Henrique Feddersen.

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