top of page
  • Foto do escritorFelipe Vidal

Quino

Atualizado: 11 de ago. de 2023


Quino desenhando aquela que viria a ser sua personagem mais famosa

Descendente de família espanhola que emigrou para a Argentina, Joaquín Salvador Lavado Tejón foi chamado de Quino desde pequeno, a fim de diferenciá-lo de seu tio Joaquín — também ilustrador e uma das grandes inspirações do artista. o jovem argentino de Mendoza perdeu sua mãe aos 13 anos e se tornou completamente órfão ainda durante a adolescência, com a também precipitada perda de seu pai. Tal fato levou seu irmão a um papel de muita relevância em sua vida, atuando muitas vezes como o pai, que não estava mais presente.


Ainda quando da morte de sua mãe, Quino começou seus estudos na Escola de Belas Artes de Mendoza, mas logo abandonaria os estudos para perseguir o sonho de ser autor de tiras. Não tardou para emplacar seu primeiro trabalho: um anúncio de uma loja de tecido, mas a peça publicitária estava muito longe de encaixar nos desejos do jovem prodígio. Seu ideal verdadeiro se voltava para o humor, ainda que não fosse uma tarefa fácil encontrar uma porta aberta nas editoras locais.


Quino com uma ilustração de Mafalda

Na década de 50, após o serviço militar obrigatório, o cartunista decide se estabelecer em Buenos Aires e a partir daí consegue finalmente entrar de cabeça na produção humorística, sua grande paixão desde sempre. Publicando em uma série de meios diferentes, Quino passa a acumular um volume de produções tamanho que, em 1963, publica seu primeiro livro compilando trabalhos anteriores, chamado Mundo Quino. Essa obra de fôlego o levou a ser convidado para produzir uma campanha de eletrodomésticos da empresa Mansfield, onde a protagonista criada pelo cartunista seria uma menininha de seis anos chamada Mafalda.


Tal trabalho nunca chegou a ser publicado como peça de campanha, mas boa parte do conteúdo já estava pronto e, através de amigo em editora, Quino trouxe a nova personagem a público no formato de tirinhas cômicas. Após sua estreia, em 1964, Mafalda seria efetivada no ano seguinte como parte do jornal El Mundo e publicada de forma ininterrupta em outros periódicos até 1973. O sucesso da menina prodígio era tal que rapidamente começaram a surgir os compilados publicados ao redor do mundo.


Diferentemente de outras clássicas tiras em quadrinhos, como Calvin e Haroldo e Snoopy, Mafalda nos apresenta uma realidade muito mais próxima daquela que vivemos e talvez isso explique seu inigualável sucesso, em especial na América Latina. O filósofo italiano Umberto Eco escreveria, em 1969, que Charlie Brown — uma das inspirações de Quino — está em um universo próspero e se furta da representação de adultos, já a menininha argentina pertence a um país de contrastes sociais e não perde uma oportunidade de confrontar os mais velhos. Mafalda pode não entender a fundo tudo que acontece ao seu redor, mas tem uma certeza em sua vida: não se conformar. Enquanto o estadunidense vive um intenso debate consigo mesmo para entender seus sentimentos, a latino-americana olha o tempo todo para o mundo que a cerca, na busca por melhor compreendê-lo.


Mafalda: uma menina muito à frente de sua idade

As censuras das mais diversas ditaduras nunca fizeram questão de esconder seu incômodo com as opiniões ácidas de Mafalda. Um dos casos mais célebres foi sua publicação na Espanha, em meio à ditadura de Francisco Franco, onde precisou receber um selo editorial limitando seu consumo ao nicho de conteúdo para adultos. Ainda que não fosse sua aposentadoria definitiva, Quino decide parar com as histórias de Mafalda no início da década de 70, sob alegação de falta de ideias — e suspeita até hoje debatidas acerca de um suposto medo de represálias políticas.


Quino foi homenageado com a instalação de estátuas de Mafalda em tamanho real

O cartunista seguiu então para a Itália, de onde continuou produzindo tiras humorísticas e raríssimas tiras de sua maior personagem, geralmente encomendadas para campanhas em prol dos Direitos Humanos. Mafalda ganhou ainda um longa metragem animado em 1982. Sua aposentadoria oficial foi em 2009, já com idade avançada, mas isso nunca o impediu de ser frequentemente homenageado tanto na Argentina quanto em muitos outros países, e acumular uma lista incontável de premiações. Esses longos anos de degustação mundial do vasto material produzido por Quino também geraram reconhecimento de ídolos de grandeza ímpar, como representado na fala do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, quando definiu o argentino como algo muito próximo da felicidade em si: a quinoterapia.


Tira do argentino Liniers, aclamado quadrinista contemporâneo, na qual se celebra a sorte de começar o hábito da leitura através de Quino

Após perder sua esposa, em 2017, Quino retornou para Mendoza, sua cidade natal, onde viveu até sua morte, aos 88 anos, em setembro do conturbado ano de 2020. É certo que suas obras nunca ficarão desimportantes e muito menos ultrapassadas, pois refletem a essência de todo um povo e, como disse o próprio autor em entrevista, sempre teve o poder como alvo, por entender que é ele o gerador de todas as mazelas de personagens como os seus. Sua influência em cartunistas contemporâneos segue vivíssima e Mafalda segue uma jovem rebelde de 56 anos.

 

Para saber mais:


- Quadrinho Toda Mafalda, compilando todas as tirinhas da personagem de Quino, publicado pela Editora Martins Fontes;


- Quadrinho Isto Não é Tudo, com uma seleção dos melhores trabalhos de Quino fora de sua personagem mais famosa, também publicado pela Editora Martins Fontes;


- Livro Mundo Mezquino: Arte Semiótico Filosófico, de Óscar Quezada Macchiavello, publicado originalmente em espanhol pelo Fondo Editorial da Universidad de Lima;


- Matéria Quino: o homem que também criou a Mafalda, de Dario Jofilly para a Revista Cliche;


- Matéria A perda de Quino para o mundo, e para a Argentina em particular, do professor Thiago Modenesi para o portal Vermelho;



- Vídeo Mafalda, Charlie Brown e Umberto Eco, do canal Meteoro Brasil no YouTube.



Σχόλια


bottom of page