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  • Foto do escritorCesar Henrique de O. Costa Jr

Qual é o nosso Sul?

Atualizado: 11 de ago. de 2023


Na frase “Nosso norte é o Sul”, o pintor uruguaio Joaquín Torres-García sustentou a necessidade de se produzir uma arte regional que fosse autônoma. Dessa forma, tentou com seu trabalho alterar as relações de poder norte-sul. Como o artista, o Bússola do Sul, busca integrar o movimento que propõe essa nova visão de mundo. Nosso objetivo é propor uma mudança de paradigmas pré-estabelecidos. A ideia do projeto, é que nós do Sul, olhemos mais para nós mesmos. Podendo assim celebrar, a diversidade de nossas culturas e a abundância do conhecimento produzido por aqui. Além disso, trazer as teorias e perspectivas desse Sul para o centro das análises do Cenário Internacional. Porém, a pergunta que o leitor deve estar se fazendo é, de qual Sul estamos falando?


O conceito de Sul Global é muito utilizado em estudos pós-coloniais e transnacionais. Habitualmente se refere, a todos aqueles países que têm uma história interconectada de colonialismo, neocolonialismo e uma estrutura socioeconômica com grandes desigualdades. A partir disso, se separaram estes dos países mais desenvolvidos, chamados de países do Norte, divididos no mapa através de uma linha imaginária. Esse conceito foi inspirado na leitura do pensador marxista, Antonio Gramsci. Em sua obra Cadernos do Cárcere, ele fez uma leitura geopolítica de como se desenvolveu o capitalismo na Itália, mantendo uma visão de Norte e Sul que não é estritamente geográfica, mas também socioeconômica e política. Além de uma relação entre a cidade e o campo como uma relação internacional entre áreas mais ou menos desenvolvidas.


Pode-se perceber, portanto, que o termo Sul Global vai para além da geografia e também do conceito de países em via de desenvolvimento, muito utilizado pelas organizações internacionais em geral. Ademais, essa divisão do mundo entre Norte e Sul busca atualizar a antiga visão — perpetuada durante a Guerra Fria — da Teoria dos Mundos, que usava uma divisão em Leste e Oeste. Essa tipologia criada por Alfred Sauvy em 1952, fazia uma analogia ao pensamento dos três estados da Revolução Francesa, onde a França estava dividida em Primeiro Estado, nobreza; Segundo Estado, clero; e Terceiro Estado, povo. Da mesma forma, para ele, existiam três mundos: o Primeiro Mundo, capitalista, o Segundo Mundo, socialista e o grupo dos países do atual Sul, eram chamados de o Terceiro Mundo. Na França revolucionária, o povo era majoritário em número mas minoritário em representação e riqueza, assim o eram também os países do Sul. Sendo assim, como na Revolução Francesa, para exercerem o poder deveriam se unir, apesar de suas diferenças. Bom, com o final da Guerra Fria, já não fazia mais sentido se falar em três mundos.


Falar em Sul geopolítico também não fazia muito sentido antes das descolonizações pós Segunda Guerra Mundial. Antes disso, a maior parte da região pertencia a algum país do Norte. Com a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) nasceu uma nova visão dessas diferenças, a visão estrutural. O chamado pensamento cepalino foi, talvez, um dos pioneiros das teorias do Sul. Nele, o mundo foi compreendido a partir da Divisão Internacional do Trabalho, dividida em dois polos: o centro desenvolvido e a periferia subdesenvolvida e a margem do sistema. A partir desse pensamento, vão se desenvolver outras teorias sobre o funcionamento dessa divisão de trabalho, sobretudo a Teoria da Dependência e teorias neomarxistas, como a Teoria do Sistema Mundo.


Com tudo isso, é evidente que existiu e ainda existe um intenso debate acerca de como dividir os países com mais condições materiais da maioria que possui menos. A verdade é que independentemente de como nomeamos, a divisão é visível. Então, mesmo que os termos Norte e Sul não demonstrem as desigualdades que existem dentro dos países de cada bloco, acreditamos serem os mais justos com a temática que propomos analisar. O Sul está longe de ser homogêneo, muito pelo contrário, assim como o povo na Revolução Francesa também não o era. Entretanto, é justamente essa heterogeneidade que traz força ao Sul, é ela que queremos colocar em evidência por aqui. O Sul não é um bloco homogêneo e nem deveria ser, mas ele se une pelos desafios compartilhados por melhores condições. Para isso, apenas unidos seremos mais fortes.

 

Para saber mais:


- Livro Cadernos do Cárcere (vol. 1, vol. 2, vol. 3, vol. 4, vol. 5, vol. 6), compilando os escritos de Antonio Gramsci, publicado pela editora Civilização Brasileira;


- Livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, publicado pela editora Civilização Brasileira;


- Livro As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, publicado pela L&PM Editores;


- Livro The Worlds of Joaquín Torres-García, compilando as principais obras do pintor uruguaio, publicado em inglês pela editora Rizzoli.

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