top of page
  • Foto do escritorLuiza Azevedo

Política externa como meio para a garantia do direito constitucional à saúde universal

Atualizado: 10 de ago. de 2023

A Constituição de 1988, carta magna em vigor hoje no Brasil, foi cunhada depois de duras décadas de suspensão de direitos encabeçada pelos militares. A ditadura militar, que se iniciou com o golpe de 1964, causou traumas na sociedade civil e esses traumas pautaram a redemocratização. Sendo assim, a Assembleia Constituinte trabalhou para incluir os direitos fundamentais no documento mais importante do país. Nossa Constituição é conhecida como Constituição Cidadã e não é por acaso: se trata de um dos documentos mais avançados do mundo em termos de direitos civis e deveres do Estado.


Estamos falando aqui de direitos análogos aos direitos humanos, são os direitos fundamentais em termos constitucionais. O objetivo de estabelecer esses direitos é garantir a dignidade da pessoa humana. Os direitos fundamentais mais importantes, dos quais derivam outros direitos, estão estabelecidos no caput do art. 5 da Constituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…).”

O direito à vida não se trata somente do direito de existir, mas de existir com dignidade. Para que esse direito seja alcançado, a nossa constituição prevê a importância da saúde para a população brasileira e, sendo assim, estabelece que a saúde é um direito de toda a população e que o Estado deve se mobilizar para garanti-lo:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Fica claro, então, que o acesso à saúde é um direito constitucional de cada brasileiro e é dever do Estado a garantia desse direito. A materialização dessa conquista é o Sistema Único de Saúde (SUS), um sistema impressionante pela dimensão do país. Durante seus mais de 30 anos de existência, o SUS permitiu que o Brasil se tornasse exemplo em vacinação com o Plano Nacional de Imunização (PNI), na distribuição gratuita de remédios e no e transplante de órgãos com o maior sistema público para esse fim do mundo.


O trabalho que deve ser feito internamente para a garantia desse direito é evidente. O que costuma ficar em segundo plano é o quanto a política externa é importante para que todos os brasileiros tenham acesso à saúde. As patentes das indústrias farmacêuticas sobre tecnologia e medicamentos são um entrave para o avanço e inovação nessa área. Mais do que isso, esse tipo de prática custa vidas e é dever do Estado se posicionar em favor do bem estar de seus cidadãos.


Em 2001, na Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil, em conjunto com a Índia, esteve à frente dos países em desenvolvimento nas negociações sobre a Declaração de Doha - Declaração relativa ao Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relativos ao Comércio (Trips) e a Saúde Pública -. O país se posicionou internacionalmente de acordo com sua realidade de país em desenvolvimento, ou seja, defendeu os nossos interesses de acesso à tecnologia para a produção e viabilização do comércio de remédios genéricos.


Em 2007 o Brasil recorreu ao acordo sobre Trips em busca de garantir o acesso da população brasileira ao tratamento ao qual temos direito. Foi nesse sentido que o tratamento de pacientes que vivem com HIV/Aids no Brasil virou um modelo exemplar, dentre outras medidas, com o licenciamento compulsório do efavirenz, um importante retroviral hoje produzido pela Fiocruz. Essa medida permitiu uma economia de cerca de 72% do valor original do remédio.


Em uma mudança violenta e impertinente de posicionamento, hoje o Brasil se coloca contra os interesses de sua população ao não se alinhar com a Índia e África do Sul nas discussões na OMC sobre Trips a favor da quebra de patentes das vacinas contra a Covid-19. A proposta tem como objetivo viabilizar a produção de imunizantes genéricos, de forma a combater a escassez artificial de vacinas no mundo. A desigualdade entre os países do Norte e do Sul Global no que se refere ao combate ao coronavírus é flagrante, nossas vidas e o fim da pandemia dependem da distribuição igualitária de vacinas pelo mundo.


Não podemos perder de vista nossos interesses quando se trata de política externa, uma vez que nossos direitos fundamentais dependem de que todas as instâncias de poder estejam trabalhando pela sua garantia. É inimaginável que um país com o histórico do Brasil no que tange acesso a medicamentos, vacinação, e saúde de forma integral esteja vivendo o que vivemos hoje. O nosso direito fundamental à vida depende do Estado brasileiro voltar a cumprir seu dever de garanti-lo, nacional e internacionalmente. O que vivemos hoje é inadmissível.


 

Para saber mais:








1 Comment


carolina.souza.azvd
Apr 18, 2021

muito bom! assunto importantíssimo que precisa ser falado cada vez mais



Like
bottom of page