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  • Foto do escritorCesar Henrique de O. Costa Jr

O Orientalismo e o Oriente Médio

Atualizado: 11 de ago. de 2023

É bem provável que o leitor já tenha ouvido falar sobre a região do Oriente Médio, seja por alguma notícia na televisão, alguma obra cultural ou aquela antiga aula de História que falava sobre o berço da civilização. Possivelmente, a primeira imagem que vem na cabeça da maioria ao falar esse nome são as pessoas de turbantes ou algo relacionado ao islamismo. No entanto, já parou para pensar o porquê de chamarmos a região por esse nome?

Uma das 7 Maravilhas do Mundo, Petra na Jordânia relembra um pouco desse passado histórico da região

Falar de Oriente por si só, parte de uma posição geográfica que prevê uma oposição a um Ocidente. Porém, já que a Terra é redonda, os pontos cardeais não são definidos por natureza. São, portanto, frutos de um imaginário que, para ser estabelecido no mapa, faz uso de um referencial enviesado. Então, pergunto, quem o leitor imagina que produziu essas referências ao longo da história?


É curioso como, na maioria das vezes, não paramos para pensar o quanto as palavras que usamos trazem consigo sempre uma grande marca do passado. São ideias, que muitas das vezes nos parecem naturais, mas que foram criadas pelos homens e como tal, carregam sempre uma dicotomia do poder. Precisamos sempre olhar de forma crítica para a narrativa e como ela está sendo usada por quem a conta. É um pouco dessa história, que envolve a construção de identidades e a disputa pelo poder, que vamos comentar neste texto.


A civilização ocidental


A ideia de uma civilização ocidental deriva de uma construção identitária que remete à Grécia Antiga. É uma visão que consiste em construir o pertencimento através da alteridade, ou seja, aquele que não possui características culturais semelhantes a determinado indivíduo, não pertence ao mesmo lugar que ele. Os gregos antigos, quando invadidos pelos persas, precisaram criar um sentido de unidade entre eles. Para isso, quem compartilhava da língua e cultura helênica era considerado grego e, consequentemente, aqueles que não pertenciam a este grupo eram os bárbaros como os persas.


Esse conceito foi assimilado pelos romanos, que utilizaram a ideia para legitimar sua expansão territorial. Justificavam assim que estavam levando a civilização para esses povos bárbaros. O outro, portanto, era a máquina que fazia o império se expandir através de sua missão civilizatória. Com isso, chegaram a dominar todo o Mediterrâneo e espalharam parte de sua cultura, por esses povos dominados. No entanto, até este momento, a divisão cultural não tinha ainda o caráter geográfico entre leste e oeste.


Foi a partir das grandes navegações, ou ainda a partir do século XVIII com a expansão imperialista europeia para o leste que essa visão da alteridade foi atualizada a partir de uma visão geográfica. Os europeus precisavam de um senso de unidade, que os aproximassem entre si e de suas antigas colônias na América. Dessa forma, é difundida a ideia de que esses povos compartilhavam bases culturais semelhantes, que os transformava em ocidentais. Era criado assim a ideia da civilização ocidental para se contrapor a um suposto Oriente.


Mapa Mundi mostrando um pouco da divisão entre Ocidente e Oriente

Neste momento, começa a cultura do Orientalismo, que vai ajudar muito na construção de tal discurso. Diversos pesquisadores, artistas e curiosos do Ocidente vão começar a pesquisar o Oriente como algo místico e exótico, que precisaria ser desbravado. Com isso, começam a surgir as famosas imagens dos arqueólogos exploradores que queriam descobrir as riquezas culturais do Oriente. Foi o início de um contato que criaria uma consciência geopolítica em textos estéticos e eruditos, onde existe uma hierarquia entre o Ocidente e o Oriente. Enquanto o primeiro é a civilização avançada que desenvolve as pesquisas e os descobrimentos, o segundo é local atrasado que precisa ser estudado e desenvolvido. Essas visões, vão gerar diversos estereótipos que são mantidos até hoje.


O Oriente como invenção do Ocidente?


O intelectual palestino, Edward Said, é muito conhecido por sua obra Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, que é considerada um dos textos fundadores dos estudos pós-coloniais. Seu argumento na obra é justamente em cima da ideia de que o Oriente foi inventado pelo Ocidente por meio desse exotismo literário e científico que contamos acima. Portanto, a ideia de Oriente foi criada em um processo de relações políticas de poder.

Intelectual palestino Edward Said

Com isso, o autor empregou metodologicamente a noção de discurso, de Michel Foucault, para identificar o Orientalismo como um discurso, pelo meio do qual os europeus conseguiram administrar e produzir o Oriente de forma política, sociológica, ideológica, científica e imaginativamente como o outro durante o período pós-iluminismo. Como resultado, a cultura europeia ganhou força e identidade ao se comparar com o Oriente como uma espécie de identidade substituta.


Um exemplo disso é a diferenciação entre um Oriente Médio e um Oriente Extremo. Essa distância é medida em relação ao quão próximo cada um está da cultura europeia. Sendo assim, uma administração de um mundo que é dividido e produzido a partir do ponto de vista europeu.


A partir disso, Said defende que é necessário estar atento às narrativas dadas como verdades absolutas. Ao trabalhar com uma metodologia foucaultiana de desconstrução e genealogia, vê o poder em todos os lugares, em todas as relações. Sendo a linguagem criadora da realidade, é importante desconstruir a ideia do Oriente e Ocidente como realidades concretas. Dessa forma, a principal resistência a esse tipo de dominação é o constante exercício crítico de contestação dessa realidade.


Conclusão


A contestação visa mudar nossa visão de mundo. A reflexão proposta nesse texto, a partir do nome Oriente Médio, é estimular que o leitor olhe o mundo ao seu redor e enxergue o quanto da narrativa foi construída a partir da perspectiva do dominante por ali. A grande ideia de nossa página é justamente ter uma leitura crítica das narrativas internacionais e evidenciar a visão de mundo do dominado.

Mapa da chamada Ásia Ocidental

No entanto, os polos do mundo parecem estar se invertendo ultimamente. O Oriente está cada vez mais equilibrando a balança de poder com o chamado Mundo Ocidental. Inclusive no que tange a influência na região que ficou conhecida mundialmente como Oriente Médio. Até quando, então, ainda a chamaremos assim?

 

Para saber mais: - Livro Orientalismo, de Edward W. Said, publicado pela Companhia das Letras;


- Livro Cultura e imperialismo, de Edward W Said, também publicado pela Companhia das Letras;


- Cursos e materiais no site do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (GEPOM);


- Vídeo Edward Said - Framed: The Politics of Stereotypes in News, no canal em inglês da Al Jazeera no YouTube;


- Vídeo Oriente Médio, do professor Filipe Figueiredo para o canal Nerdologia no YouTube.

2 Comments


Wilma De Oliveira Costa
Wilma De Oliveira Costa
Nov 23, 2020

Excelente texto!

"O poder distorce o mundo"

Esse é o perigo de uma única história.

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Cesar Costa
Cesar Costa
Nov 23, 2020

Texto muito bom.

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