top of page
  • Foto do escritorCesar Henrique de O. Costa Jr

O Nacionalismo Hindu, a Hindutva e o Hinduísmo

Atualizado: 11 de ago. de 2023

A Índia é um lugar que, na maioria das vezes, tem sua cultura antecedendo qualquer outra temática sobre o país. É bem provável que o leitor já tenha tido algum tipo de contato com algum elemento cultural indiano. Possivelmente, alguma música, um prato típico ou a prática do yoga. De fato a cultura indiana é riquíssima, além de possuir uma história milenar. Recentemente, assim como a China, o país vem se destacando como uma nova potência proveniente do Sul Global. No entanto, ainda olhamos para o país por essa lente cultural orientalizada e pouco sabemos sobre a realidade sócio-política indiana.


Primeiro-ministro indiano Narendra Modi [Foto: The Ecnomic Times]

Em janeiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro, em viagem ao país, se aproximou do atual primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que é muito ligado ao manual nacionalista da nova onda de extrema direita pelo mundo. Eleito inicialmente como um moderado, Modi acabou dando uma guinada cada vez maior à direita durante seu governo, adotando políticas nacionalistas e de apoio à maioria hindu do país em detrimento das minorias, especialmente os muçulmanos. Veja, portanto, que é uma política nacional focada no elemento hindu da Índia. Mas do que se trata esse nacionalismo hindu?


Primeiramente, é necessário evidenciar que a Índia, como um país do Sul Global, possui um histórico colonial. O subcontinente indiano ficou por mais de dois séculos sobre controle britânico. Antes, porém, existia um grande número de médios e pequenos reinos na região. Estes compartilhavam semelhanças culturais, linguísticas e religiosas, mas eram diferentes entre si em diversos aspectos. Pode-se perceber, portanto, que existe uma grande diversidade local, com ligação histórica a diversos reinos e impérios do passado.


Desde o século XVIII, a Companhia das Índias Orientais, que foi criada para gerir os negócios comerciais britânicos no oriente, estendeu seu trabalho para funções administrativas e políticas, sustentadas por um vasto exército particular. A partir de 1858, com o fim do governo da Companhia, a Grã-Bretanha passaria a administrar boa parte dessas regiões, no que ficou conhecido como o Raj Britânico. Entretanto, mesmo nesse momento, os britânicos não governaram diretamente todo o território, ou seja, mantinham líderes locais que fossem leais a Coroa, mas com certas autonomias.


Com a independência da Índia, em 1947, a tentativa inicial era formar um grande e moderno Estado-nacional onde tinha sido o Raj Britânico até então. No entanto, era necessário criar um pertencimento nacional que não existia, pelas divisões internas. O movimento independentista, liderado por Mohandas Gandhi, era na verdade um conjunto dos diversos movimentos que representavam toda essa heterogeneidade regional e se juntavam no Congresso Nacional. A maior prova de que esse movimento era fragmentado, é fato da proposta que prevaleceu ter sido a de criação de dois Estados em vez de um. Assim nasceram, o Paquistão, liderado pela Liga Muçulmana e a Índia, liderada pelo Congresso Nacional Indiano. Já era visível, que a histórica rivalidade entre muçulmanos e hindus era tão grande, que preferiram se separar em dois Estados do que criar um só. Porém, se o Paquistão era o Estado criado para a minoria muçulmana, a Índia era portanto o Estado hindu?


Essa foi a grande questão sobre o nacionalismo na Índia, que dividiu seu principal partido, o Congresso Nacional, desde antes da independência. Por um lado, existia o grupo que defendia a formação da Índia como um Estado secular, todos sob uma mesma identidade nacional, independente da religião. Foi o cado do primeiro chefe de governo indiano Jawaharlal Nehru. Por outro lado, vão existir movimentos dentro do partido que defendem a formação de uma Índia hindu, já que os muçulmanos já tinham o seu Estado. É o caso do vice-primeiro-ministro de seu governo, Sardar Patel. O próprio Gandhi defendia o fim do conflito histórico entre muçulmanos e hindus no país, e morreu por esse posicionamento, assassinado por um nacionalista hindu. Não parece estranho que um líder hindu, herói da independência, seja morto por um nacionalista hindu? É bem perceptível que essa divergência é fundamental para entender a política indiana desde aquela época até hoje.


Outro elemento fundamental desse período, é compreender os movimentos externos ao Congresso Nacional, como a organização chamada Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS). O RSS foi fundado em 1925 por Keshav Baliram Hedgewar, que sentiu que o Partido do Congresso Nacional Indiano estava se preocupando demais em agradar os muçulmanos. Eles são a maior organização voluntária não política do mundo, com treinamento paramilitar e possuindo uma visão nacionalista extremista hindu. Um membro famoso do grupo foi Nathuram Godse, o nacionalista hindu que assassinou Gandhi. Com o tempo, nasceram ramificações como o Partido Bharatiya Janata (PBJ), que é o partido do atual primeiro-ministro e o Vishva Hindu Parishad (VHP), outro grupo hindu. Juntos compõem a chamada Sangh Parivar (Família Sangh), que defende uma agenda indiana conhecida como Hindutva. Esse conceito foi cunhado em 1923, por Vinayak Damodar Savarkar, autor do panfleto intitulado Hindutva: Quem é um hindu?. É uma visão radical do hinduísmo, que engloba diversos aspectos, como fatores históricos, culturais e filosóficos, formando assim as bases desse nacionalismo.


Para estes, mais que um Estado hindu a Índia é um território sagrado, onde qualquer não hindu é considerado um estrangeiro. Com a origem de Modi como ex-voluntário do RSS e o papel da organização ao ajudar o PBJ a vencer as eleições que o levou ao poder, muita gente imaginou como seria uma agenda Hindutva sob seu governo. Apesar de um início moderado, alinhado ao secularismo, aos poucos o primeiro-ministro foi retornando a esse debate inicial. Para ele, era fundamental rediscutir o que seria esse Estado indiano. Para o final de seu primeiro mandato, inaugurou diversos templos hindus além da maior estátua do mundo para homenagear Sardar Patel, justamente aquele primeiro estadista que defendeu um nacionalismo mais hindu, embora não tão radical. Em sua segunda eleição, em 2019, radicalizou o discurso ainda mais, voltando a utilizar as disputas com o Paquistão na Caxemira como principal pauta. Contudo, hoje existe uma primeira batalha no país que é entre a Hindutva e o hinduísmo, e qual deles forma esse nacionalismo hindu de fato. A segunda batalha continua sendo a disputa do que deveria ser a Índia, um estado secular ou hindu. Mas no final, a grande questão ainda continua sendo: o que significa ser um indiano?

 

Para saber mais:


- Livro Esta Noite a Liberdade, de Dominique Lapierre e Larry Collins, publicado pela editora Círculo do Livro;


- Matéria O Nacionalismo Hindu na Era Modi, de Sonia Paul para a revista Vice;


Comments


bottom of page