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  • Foto do escritorMariangela Nuernberg

Nawal El Saadawi

Atualizado: 10 de ago. de 2023


No dia 21 de março, o Movimento Feminista foi atingido pela triste notícia da morte de uma das mais importantes ativistas da causa, a escritora egípcia Nawal el-Saadawi, que faleceu no Cairo, aos 89 anos, em decorrência de complicações de uma cirurgia nos olhos.


Uma das maiores líderes da luta pelos direitos das mulheres no mundo árabe, Saadawi nasceu em 27 de outubro de 1931, na aldeia de Kafr Tahla, perto do Cairo, em uma família de altos servidores do Estado. Após mudar-se com a família para Gizé, Nawal ingressou em 1949 na renomada Escola de Medicina Kasr Alainy, da Universidade do Cairo, e formou-se médica em 1954. Foi nesse período que começou a escrever para revistas estudantis, engajando-se na luta pelos direitos das mulheres e também na luta anti-colonial. Posteriormente, especializou-se em Saúde Pública e em Psiquiatria. Em um episódio da sua vida como médica, ao ser enviada para trabalhar em sua cidade natal - onde, inclusive, tomou consciência das dificuldades e desigualdades enfrentadas pelas mulheres das comunidades rurais - foi tentar defender uma mulher vítima de violência doméstica e acabou sendo expulsa da cidade e mandada novamente ao Cairo.

Em 1966, Nawal tornou-se a diretora-geral do Departamento de Saúde Pública, do Ministério da Saúde egípcio, mas foi expulsa do cargo anos depois após o lançamento do seu primeiro livro não-ficcional "Woman and Sex" (mulher e sexo, 1969 - sem versão em português), onde comenta sobre as dimensões políticas e econômicas da situação das mulheres e confronta várias agressões praticadas contra os corpos femininos. Este livro é considerado por muitos uma das obras fundadoras da segunda onda do feminismo, que trouxe para o debate na sociedade temas como sexualidade, família e direitos reprodutivos.


Nos anos seguintes a esse acontecimento, a escritora publica seus dois livros mais famosos, que a levaram a ser reconhecida internacionalmente como ativista feminista. Em 1975, lança “Woman at Point Zero” (mulher no marco zero - sem versão em português), em que Nawal conta a história real de uma prostituta que conheceu durante as pesquisas de um projeto e que foi condenada à morte por assassinar seu cafetão.


Em 1977, publica também “A Face Oculta de Eva”, em que denuncia a situação das mulheres no mundo árabe, trazendo o chocante relato da remoção do clitóris que ela mesma sofreu quando tinha somente seis anos. Essa experiência traumática fez com que a luta contra a Mutilação Genital Feminina (MGF) virasse a força central de seu trabalho tanto na medicina, quanto no seu ativismo no Feminismo.


Em sua autobiografia "A daughter of Isis” (uma filha de Ísis, 1999 - sem versão em português), Nawal descreve como foi crescer em uma cultura patriarcal que submete meninas a abusos como o casamento infantil e a MGF, prática ainda muito presente em tribos e comunidades mais conservadoras, sob a justificativa de ser um ritual de passagem que torna a mulher “casável” - a Organização das Nações unidas inclusive tem guerra declarada contra esse costume e descreve-o como "um procedimento que fere os órgãos genitais femininos sem justificativa médica".


Há muito tempo sendo encarada pelo governo egípcio como uma figura perigosa, em 1981 Nawal foi presa após publicar uma revista feminista criticando o governo do presidente da época. Na prisão, somente com papel higiênico e lápis de olho preto, escreveu o livro “Memoirs from a Women’s Prison” (memórias de uma prisão feminina, 1994 - sem versão em português) e fundou o primeiro grupo feminista do Egito, a Associação de Mulheres Solidárias Árabes, destinada a promover a participação ativa das mulheres em todas as áreas da vida social. A ativista foi liberadas, meses depois, após o assassinato do então presidente.


Em 1992, foi colocada sob “proteção” do governo contra sua vontade, e por isso decidiu sair do país, o que não a impediu de dar continuidade à luta contra o conservadorismo egípcio e expor a superficialidade da democracia do país, dando entrevistas e fazendo protestos pelo mundo. Escreveu mais de 50 obras, entre romances, memórias e ensaios, que abordam a repressão política e econômica, o fanatismo religioso e a opressão das mulheres e práticas misóginas, e algumas delas acabaram denunciadas e retiradas da circulação no Egito.


Seu último livro publicado no Brasil foi "A mulher com olhos de fogo - o despertar feminista" (Faro Editorial - 2019), em que conta, em forma de ficção, as histórias de mulheres que atendeu na prisão como psiquiatra.


Nawal casou-se três vezes e teve dois filhos, Atef Hatata e Mona Helmy, que segue os passos da mãe e também se tornou escritora.


"Escrever se tornou uma arma com a qual eu luto contra o sistema, cuja autoridade vem do poder autocrático do governante do Estado, e esta vem do pai ou do marido na família", trecho do livro The Daughter of Isis
“Depois de viajar por todo o mundo… Descobri que as raparigas são educadas de uma maneira muito parecida — estamos todas no mesmo barco. O sistema patriarcal, capitalista e religioso é universal”, disse em entrevista à Thomson Reuters Foundation, em 2018.

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