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  • Foto do escritorFelipe Vidal

Jorge Mario Bergoglio

Atualizado: 10 de ago. de 2023

Talvez seja motivo de estranhamento para muitos a presença do líder máximo da Igreja Católica por aqui. Em um espaço dedicado a debater assuntos pertinentes a regiões em geral marginalizadas pelos noticiários, é compreensível que seu nome seja polêmico. No entanto, para além da relevância do cristianismo católico para uma enorme parcela da população do Sul Global, Jorge Mario Bergoglio é um personagem singular e costumeiramente precede o seu alter ego Papa Francisco, até mesmo depois de assumir o pontificado.


Início da vida, paixões e humanidade


Bergoglio segurando uma flâmula de seu time de coração, o San Lorenzo de Almagro

Nascido em uma pobre família de imigrantes italianos que habitavam Buenos Aires, Bergoglio desenvolveu logo cedo duas de suas maiores paixões e ambas estavam intrinsecamente relacionadas ao ambiente ao qual estava inserido. A devoção religiosa veio de seus avós, que carregavam consigo a típica fé italiana, e acabaria se tornando muito maior em sua vida do que ele mesmo pudesse imaginar. Paralelamente, seu fanatismo futebolístico pelo San Lorenzo de Almagro acompanhava a empolgação do bairro à época com o bom momento do time. Tal curiosidade é relembrada até hoje e a expressão "time do Papa" para se referir ao clube argentino já parece naturalizada.


Apesar da fé fervorosa, Bergoglio ainda trilharia outros caminhos antes de se encontrar na vocação religiosa. Titulado como técnico em química, o jovem chegou a exercer a profissão por algum tempo, período esse bastante explorado por obras biográficas acerca do argentino, devido ao fato de nos apresentar um Bergoglio não mais criança, porém também não ainda religioso devocionado. Boa parte de sua humanização vem do conhecimento de histórias como essas, que poderiam se passar com qualquer adolescente latino-americano. Falta de dinheiro, paixão adolescente, decepção amorosa, enfermidade, gosto por dançar e uma série de outros causos de sua vida já bastante repercutidos por aí.


Vocação sacerdotal e posicionamento político


Jovem padre Jorge Mario Bergoglio

Em 1958, sua vocação fala mais alto e o futuro papa inicia os estudos para o sacerdócio na Companhia de Jesus. A escolha da ordem não poderia ser mais simbólica para aquele que viria a se tornar pioneiro de tantas formas, como primeiro papa argentino, primeiro latino-americano, primeiro do hemisfério sul e, obviamente, primeiro do Sul Global como o interpretamos hoje. Com protagonismo na colonização da América Latina, ao se encarregar de catequisar os nativos a mando dos recém chegados, a Companhia de Jesus acabou tendo sua história confundida com todo processo colonial e seus efeitos de mais longo prazo. Não foi tão raro, entretanto, a identificação de padres jesuítas com comunidades locais e legítimas preocupações com a melhor compreensão da cultura daqueles povos que ali já habitavam. Avançando séculos nessa tortuosa relação, jesuítas viriam a ter papel importante no desenvolvimento da latino-americana Teologia da Libertação, já na segunda metade do século XX, bem como em movimentos religiosos de resistência às ditaduras que se proliferaram na região.


Teólogo Juan Carlos Scannone, um dos mestres de Bergoglio e teórico da Teologia do Povo

Após um breve período de estudos no Chile, Bergoglio retornou à Argentina e, pouco tempo depois, já estaria demonstrando suas inclinações políticas ao prestar aconselhamento espiritual a jovens católicos que decidiram ingressar em grupos de resistência à ditadura vigente em seu país. A orientação que recebeu do teólogo Juan Carlos Scannone, entre 1967 e 1970, é provavelmente um dos fatores que mais vemos refletido em sua postura como sumo pontífice, ainda que seja pouco lembrada. Scannone foi um dos teóricos fundadores da Teologia do Povo — uma vertente argentina da Teologia da Libertação, em explicação rasa — e acabou influenciando fortemente o pensamento do jovem noviço.


Quando da eclosão de uma nova ditadura militar na Argentina, em 1976, Bergoglio ocupava o cargo de superior provincial dos jesuítas locais e precisou lidar com a intensa perseguição exercida por militares a religiosos opositores. O mais conhecido dos casos resultou em sequestro e tortura de padres que realizavam trabalho comunitário na periferia de Buenos Aires, levando Bergoglio a interceder por seus colegas diretamente com os ditadores no poder. Com a intensificação da repressão, o então provincial colaborou na articulação de planos de fuga de dissidentes do governo até o Brasil e outros países vizinhos. Ainda assim, sua atuação durante o turbulento período está longe de ser uma unanimidade, existindo numerosas versões alternativas daquilo tido como oficial e algumas acusações de negligência e/ou omissão de sua parte.


Pós-tempestade e colheita dos frutos plantados


Encontro entre o Papa João Paulo II e o então cardeal Jorge Mario Bergoglio

Entre 1990 e 1992, Bergoglio foi alocado na cidade argentina de Córdoba por sua congregação, período que ele mesmo chama de "purificação interior", mas entendido por seus biógrafos como uma tentativa de tirá-lo dos holofotes, seja para poupá-lo ou para puní-lo. No entanto, sua larga experiência sacerdotal e professoral o levou ao bispado em 1992, a fim de exercer o cargo de bispo auxiliar de Buenos Aires. A saúde do arcebispo local começou a debilitar-se e Bergoglio foi alçado no mesmo ano ao posto de arcebispo-coadjutor. Com a morte de seu predecessor, o atual papa é consagrado arcebispo de Buenos Aires em 1998 e pouco tempo depois, em 2001, é criado cardeal pelo então Papa João Paulo II.


O acúmulo de cargos fez Bergoglio se tornar figura chave no diálogo da Igreja para com países da região, pois não só presidia a Comissão da América Latina, mas também protagonizava debates extremamente relevantes ao exercer o arcebispado na capital de um dos países mais importantes do subcontinente. Alguns desses debates argentinos perduram até hoje no seio da Igreja, como aquele incitado pelo casal Kirchner acerca do casamento homossexual, quando Bergoglio sugeriu a abertura ao diálogo e foi isolado por outros bispos argentinos. Sua atuação capitaneada pela preocupação com a justiça social o levou a ser conhecido como "bispo dos pobres", pois aumentou consideravelmente a presença da Igreja em bairros periféricos de Buenos Aires.


Papado e posicionamentos recentes


Mesmo recebendo considerável número de votos no conclave de 2005, quando da morte de João Paulo II e eleição de Joseph Ratzinger como o Papa Bento XVI, sua vez ainda não era aquela. Já em 2013, após a histórica renúncia papal, Bergoglio não era apontado como um dos favoritos, mas o caráter sui generis do processo acabou por dificultar prognósticos precisos. Com simbolismo ímpar, algumas fortes palavras de Bergoglio foram lidas pelo cardeal cubano Jaime Ortega, arcebispo de Havana, a seus pares no anteceder da eleição. Os pontos levantados podem ser resumidos em: necessidade da Igreja deixar de ser autocentrada — fator apontado como uma doença — e rumar para as periferias, tendo para tal uma liderança capaz e devotada. Após cinco rodadas de votações, a presença da fumaça branca causou alvoroço dos fiéis presentes na Praça de São Pedro. Estava eleito o primeiro Papa Francisco, mais uma vez pioneiro.


Papa Francisco recebendo "crucifixo comunista" das mãos do então presidente boliviano Evo Morales

O agora sumo pontífice vem acumulando uma horda de fãs e detratores, de maneira não muito diferente de seus antecessores. Talvez as interpretações de suas falas sejam um pouco mais apaixonadas devido à polarização que acomete (quase) todos os debates contemporâneos. Também é verdade que Bergoglio não faz nenhuma questão de demonstrar imparcialidade e fugir de debates sobre os quais tem um posicionamento mais firme. Não foram poucas as vezes que proferiu comentários — ou promoveu ações — sobre temas sensíveis ao seu público, como casamento homossexual, celibato sacerdotal e maior protagonismo feminino na Igreja.


É sempre difícil traçar pareceres definitivos acerca daquilo que ainda está inacabado e esse é o caso de seu pontificado. Diferentemente do resto de sua história, não há como dizer se Bergoglio foi um "bom papa" ou ainda se há critérios objetivos para se dizer isso. No entanto, eleito como reformista, ele não vem decepcionando aqueles que depositaram confiança nessa sua característica. Mesmo enfrentando problemas internos que já atingiam outros papados, como as históricas e recorrentes denúncias de abuso sexual praticado por sacerdotes ao redor do mundo, chegando até mesmo a problemas financeiros referentes ao Banco do Vaticano, seu papado tem sido lembrado mesmo pelas quebras de protocolo e progressismo no discurso. A prática ainda está longe de acompanhar seus anseios, mas há de se compreender que uma instituição milenar que promove concílios a cada dezenas de anos não iria mudar radicalmente de um dia para o outro. A revolução está ocorrendo e tem protagonismo latino-americano, mas ela é paquidérmica como seu porte permite.


 

Para saber mais:


- Livro A Teologia do Povo, escrito pelo teólogo Juan Carlos Scannone e publicado pela editora Paulinas;


- Página Biografia do Santo Padre Francisco, no site oficial do Vaticano;


- Livro Diálogos Entre Juan Pablo II y Fidel Castro, organizado por Jorge Mario Bergoglio, publicado originalmente em espanhol pela editora Ciudad Argentina;


- Livro Os Jesuítas: A História e Legado da Sociedade de Jesus da Igreja Católica, de Charles River, publicado de maneira independente;


- Livro A Misericórdia, do teólogo Jon Sobrino, radicado em El Salvador, e publicado pela Editora Vozes;


- Livro A Verdade vos Libertará, do teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, publicado pela Edições Loyola.


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