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  • Foto do escritorTomás Paixão

Jean-Bédel Bokassa

Atualizado: 11 de ago. de 2023

No Bússola do Sul, geralmente homenageamos os homens e mulheres que lutaram pelo Sul Global e devem ser sempre lembrados. Mesmo quando existem controvérsias e disputas sobre suas biografias, naturais quando pensamos em grandes indivíduos e nas decisões difíceis que tiveram de tomar, cada um deles conseguiu deixar um legado importante na realidade de seu respectivo país. A história, porém, nem sempre é composta de exemplos a serem seguidos. Os legados deixados por muitos indivíduos que tiveram o poder em suas mãos no Sul Global explicitam as ações e visões que devem ser rechaçadas pelos futuros líderes de nossas terras. Um desses indivíduos é Jean-Bédel Bokassa.

Apesar de suas histórias serem pouco conhecidas, a África já foi assolada por diversas ditaduras que deixaram milhões de vítimas. Do nigeriano Sani Abacha ao liberiano Charles Taylor, o regime de Jean-Bédel Bokassa, na República Centro-Africana (RCA), seria um dos mais cruéis. Com bases ideológicas remanescentes do período colonial que assolou seu país e forte inspiração em Napoleão Bonaparte, instaurou um regime de culto à personalidade e perseguição aos dissidentes que levou ao terror de seu povo.

Em 1921, Bokassa nasceu na África Equatorial Francesa, colônia que englobava a atual RCA, entre outros territórios. Anos mais tarde, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e uma série de batalhas dentro do continente africano, lutaria em diversas guerras defendendo a metrópole francesa, sendo condecorado com inúmeras medalhas e inclusive posteriormente recebendo a nacionalidade do país europeu.


Após a RCA declarar sua independência, em 1960, foi convidado para ser chefe das Forças Armadas do País. À época, o país era governado por um primo distante de Bokassa, David Dacko, importante nome das lutas pela independência da República Centro Africana. Seis anos depois, com o país sob grave crise econômica, conquistaria o maior cargo de poder após aplicar um golpe de Estado. Nesse momento, começa uma escalada de autoritarismo na história do país africano.

Bokassa se apresentava como um salvador e uma liderança forte para uma população que vivia em uma situação crítica há muitos anos. Preenchendo um vácuo de poder com um forte discurso anticomunista, lançou um programa de múltiplas reformas setoriais que visava modernizar o país. As promessas de um futuro melhor, porém, não se tornaram realidade: apesar de alguns avanços na área de infraestrutura, a economia do país continuava cambaleante.


À medida que sua imagem de Messias era confrontada com a realidade que pouco mudava no país, a repressão também se multiplicava.

Em 1970, se declararia marechal, para dois anos depois sancionar seu mandato como presidente e chefe eterno das Forças Armadas da República Centro Africana. O golpe final viria em 1976, quando declarou a formação do Império Centro-Africano com a justificativa de “ganhar o respeito do mundo”.

Esse Império, porém, nada mais era que uma reflexão de um imaginário eurocêntrico, personalista e demagógico. Seu fetichismo em copiar símbolos do mundo europeu e, especialmente, de Napoleão I marcariam a trajetória do governo cuja base era a mente colonizada de seu governante.


O mais evidente exemplo destas características do regime de Bokassa foi sua coroação. O evento foi amplamente divulgado na mídia ocidental, mas não da forma que Bokassa esperava. Gastando o que correspondia à 25% do PIB do país em uma cerimônia que copiava a coroação napoleônica dos trajes aos discursos, a mídia internacional e os dissidentes locais apontavam a extravagância e loucuras do ditador. Quase nenhum outro líder mundial participou do evento, que arruinaria ainda mais uma já fragilizada economia do Império.

Por outro lado, o ditador cultivava boas relações com alguns líderes. Revelado apenas anos depois, o futuro presidente e à época Ministro das Finanças francês Valéry Giscard d’Estaing recebeu diversos diamantes de Bokassa no ano de 1972. Esse episódio, que ficou conhecido como “escândalo dos diamantes” contribuiu para que o francês perdesse à reeleição em 1981. As relações próximas à França durante o seu governo, porém, não seriam suficientes para garantir a sua manutenção no poder por muito mais tempo.

Em 1979, dois anos após um massacre de jovens estudantes que protestavam contra a obrigatoriedade de compra de um uniforme escolar na fábrica da família de Bokassa e sob forte pressão internacional, o governo francês (antes próximo ao regime, porém desta vez apoiado pelos grupos dissidentes locais) lidera um golpe militar contra o imperador, na chamada Operação Barracuda.

À época, Bokassa já havia repassado o poder de jure a Ange Félix-Patassé, primeiro-ministro próximo ao ditador, mas ainda possuía o poder de facto do país. Após o golpe, David Dacko assumiria novamente o poder na RCA, que voltaria a ser uma república.

Bokassa viveria no exílio na Costa do Marfim e na França. Em 1986, retorna ao seu país, onde é julgado por múltiplos crimes. Em 1993, porém, é liberado da prisão após uma anistia geral dos presos promovida pelo presidente André Kolingba. Morreria três anos depois, em 1996, na cidade de Bangui.


Atualmente, alguns grupos dentro da República Centro-Africana ainda defendem o legado de Jean-Bédel Bokassa, que passa a ser apresentado como um exemplo de força e liderança para um país que vive uma forte instabilidade há muitos anos. Após a guerra civil iniciada em 2013, boa parte dos territórios é dominado por grupos armados e o país vive uma grave crise humanitária.


A resposta para as soluções das graves questões centro-africanas, porém, não pode residir em exemplos como o de Bokassa. Sua história mostra a necessidade que os líderes do Sul Global se afastem dos modelos europeus-ocidentais e desenvolvam projetos de nação que incorporem as particularidades locais. Apenas com a superação da colonização de nossas mentes podemos libertar nossos países.

 

Para saber mais:

- Artigo Personalisation of Power, instability and human insecurity in the Central Africa Region, de Francis Nguendi Ikomi, publicado pelo ISS Africa;


- Vídeo The Craziest Dictator You've Never Heard of, no canal NewAfrica no YouTube;


- Vídeo The remains of Central African Republic's imperial past, no canal da France 24 no YouTube;



- Documentário Ecos de um Império Sombrio, dirigido e produzido por Werner Herzog;


- Matéria Good old days' under Bokassa?, de autoria de Mike Thomson para a BBC.

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