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  • Foto do escritorTomás Paixão

Diálogos do Sul Global: a aliança entre Taiwan e Paraguai

Atualizado: 10 de ago. de 2023

O interesse nacional está no cerne das relações diplomáticas entre os países. A matemática da relação parece ser muitas vezes simples: se A precisa de algo, e B pode oferecer algo, apertam-se as mãos e os negócios estão fechados.


Fruto de uma visão realista das Relações Internacionais, esta percepção está presente todos os dias nos noticiários, discursos políticos e na avaliação dos cidadãos sobre as políticas adotadas por seus representantes. A privatização da Embraer seria ou não de “interesse nacional”? A autonomia do Banco Central responderia ou não aos anseios da nação” (outra forma que também comumente avaliamos esse interesse abstrato de nosso país)? Cada Estado fará suas perguntas e terá seus debates inflamados, acompanhado por sua realidade material e seus objetivos.


Um dos mais interessantes exemplos para compreender as diferentes formas que o interesse nacional toma em cada país se encontra na relação entre Paraguai e Taiwan. Nosso país vizinho reconhece desde 1957 a ilha asiática como a “verdadeira China” e, em tempos recentes, se tornaria a "última resistência" de Taiwan na América do Sul.


Como se construiu essa improvável relação?


Apenas 15 Estados reconhecem e mantém relações diplomáticas com Taiwan. Estes Estados optam por romper completamente — ou ao menos abalar fortemente — seu relacionamento com o governo de Pequim, apostando nas vantagens que uma parceria mais profunda com o país insular podem trazer. Para cada um destes Estados, uma gama de motivações históricas, sociais, culturais e, em especial, econômicas estão por trás da preferência à Taiwan.


No caso paraguaio, apesar da enorme distância que os separam, os dois países têm diversas similaridades em seus processos históricos. Em primeiro lugar, no momento em que se iniciaram as relações entre Taiwan e Paraguai, os dois países estavam sobre lideranças autoritárias, com forte apoio estadunidense. No Paraguai (sob o ditador de Alfredo Stroessner) e em Taiwan (governo do Kuomintang, capitaneado pelo General Chiang Kai-shek), um mesmo sentimento movia seus líderes: a contenção do avanço do comunismo. Ao lado da necessidade de seguir a política internacional estadunidense para garantir apoio a seus regimes, esta convergência ideológica foi uma das primeiras razões para o início da relação entre os dois países.


Visita de Stroessner à República da China (Taiwan), em 1975.

Mesmo após o reconhecimento americano do governo de Pequim, em 1979, porém, a relação continuaria inabalada. Em um aspecto econômico, a manutenção do posicionamento paraguaio pode ser explicada pela quantidade de acordos bilaterais expressivos assinados entre os dois países até 1973, entre estes o Acordo de Cooperação Técnica e Comércio (1962) e o Ato de Cooperação Técnica e Econômica (1971). Em 1975, Stroessner visitaria Taiwan para a comemoração de 64 anos do país asiático em um dos momentos que confirmaria a continuidade da preferência paraguaia sobre a região.


Nos anos 80, os dois países passariam por um processo de transformação política bastante semelhante. À medida que Taiwan se tornava cada vez mais isolada politicamente (perdendo seu assento em organizações internacionais, por exemplo), devido à ascensão do poderio chinês na Ásia, os anos finais do governo de Stroesnner levariam à diversas críticas de Direitos Humanos, que isolariam o país latino-americano a nível diplomático. Neste sentido, o relacionamento prioritário continuou a ser bastante importante para os dois países.


Após a redemocratização paraguaia, em 1989, houveram fortes discussões no país para decidir se deveriam manter-se os laços com a contraparte da República da China. De acordo com Julian Tucker e Larissa Stünkel, dois fatores foram fundamentais para não transformar esta relação: 1) a presença de um corpo diplomático taiwanês muito forte no Paraguai, que forneceu diversos empréstimos e assistência técnica ao país; 2) o criticismo internacional recebido pela China após o Massacre da Praça Tiananmen, em 1989.


Desde os anos 90, com a forte preponderância da China no cenário internacional e seus investimentos/comércio crescentes na América Latina, as vozes divergentes à relação preferencial com Taiwan têm se expandido no Paraguai. De forma geral, períodos eleitorais têm se transformado em momentos especialmente importante para este tipo de discussão. Apesar disso, à medida que Taiwan passa a ter um papel cada vez mais preponderante nas exportações de carne e soja paraguaia, os acordos comerciais tem sido um fator relevante de peso para o lado taiwanês.


O relacionamento Paraguai - Taiwan nos dias de hoje


Nos últimos anos, a parceria taiwanesa-paraguaia tem se expandido para múltiplos setores da economia dos dois países. Desde 1990, foram assinados aproximadamente 70 acordos bilaterais entre os dois países, a maioria destes relacionados à área de educação e tecnologia.


No âmbito educacional, destaca-se a criação da Universidad Politécnica Taiwan-Paraguay em 2018. Na universidade, a maioria dos professores são provenientes da National Taiwan University of Science and Technology (Taiwan Tech), com o governo de Taiwan também sendo responsável pelo design do currículo e projetos da instituição, além de fornecer equipamentos de laboratório para o Paraguai. Por sua vez, o Paraguai é responsável pela construção dos campus universitários e pelos fundos do orçamento da instituição, tendo o projeto de se tornar a maior universidade da América Latina em 15 anos. Para a República da China, o projeto é vantajoso não apenas pela garantia da manutenção da defesa paraguaia pelo reconhecimento de Taiwan em organizações internacionais, mas também pela importação de talentos paraguaios para estudarem ou trabalharem na Ásia.


O relacionamento entre os dois países é duradouro e complementar em diversos sentidos. Durante o período da pandemia de COVID-19, por exemplo, a expertise de Taiwan na sua contenção foi fundamental para os planejamentos paraguaios de combate ao vírus. Além disso, foi assinado no começo do ano passado um acordo de U$S 150 milhões, por 5 anos, na área de ajuda social e humanitária, educação e infraestrutura entre os dois Ministérios de Assuntos Exteriores.


No âmbito comercial, as exportações totais do Paraguai com Taiwan apresentaram um aumento de 101,1% em 2019 com respeito ao ano anterior. Os principais produtos exportados a Taiwan foram carne bovina, sementes oleaginosas e soja. Os principais produtos importados do país asiático foram aparelhos de telefone, partes de acessórios de automóveis e alguns produtos manufaturados.


Os exemplos citados mostram um pouco do atual estado de relacionamento entre Paraguai e Taiwan. Por todo o compartilhamento histórico, a complementaridade de suas economias e as vantagens políticas da manutenção do relacionamento, espera-se que os dois países continuem a ter relações bastante importantes nos próximos anos. O avanço da China, por outro lado, que historicamente levou à diversos debates internos sobre a validade da relação com Taiwan, pode ser um obstáculo para a continuação do relacionamento prioritário. Quais serão os próximos capítulos desta inusitada amizade?

 

Para saber mais:


- Artigo Taiwan - Paraguay Relations: Convergent Trajectories, de Julian Tucker e Larissa Stünkel;


- Artigo A look at Taiwan's cooperation with Paraguay (2009 - 2018), de Maria Antonella Cabral Lopez;



- Relatório Perfil Económico y Comercial de Taiwan, do Ministério da Fazenda do Paraguai;



- Artigo Taiwan And Paraguay: Partnership In Education And Research – Analysis, de Peter Tase, no portal Eurasia Review.

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