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Desenvolvimento: a cronologia de um conceito em constante transformação

Atualizado: 10 de ago. de 2023

"Fale bem ou fale mal, mas fale de mim". O conceito de desenvolvimento tem sido um dos mais polêmicos da área das Ciências Sociais. Presente em discursos na esquerda e na direita, levantando paixões e críticas na mesma intensidade, e com sentidos tão diversos quanto a pluralidade de contextos em que é utilizado, o termo possui uma importância inegável para a transformação política. Nos pronunciamentos de Ciros e Dórias, FHCs e Lulas, OMC e ONGs, cientistas sociais e economistas, o desenvolvimento parece ser um ringue que permite a entrada de qualquer tipo de lutador.


Compreendê-lo, deste modo, é uma tarefa árdua. Há uma máxima, porém, que talvez nos ajude neste processo. Todos já ouviram alguma vez que a História é necessária pois o estudo do passado explicaria o presente. Ao tomar-se deste senso comum, conhecer a cronologia do pensamento desenvolvimentista pode nos ajudar a iluminar as principais tendências e problemas relacionados à conceituação do desenvolvimento. A obra Development Theory do autor Jan Nederveen Pieterse condensa de forma bastante clara as transformações que o termo sofreu ao longo do tempo.


Na seção “Sentidos do desenvolvimento ao longo do tempo” do primeiro capítulo da obra, Pieterse explicita que a gênese do pensamento desenvolvimentista paradoxalmente pode ser encontrada na economia colonial. De acordo com o autor, “o “desenvolvimento se referia majoritariamente à administração dos recursos coloniais, em primeiro lugar para tornar as colônias custo-efetivas e, em segundo lugar, para construir os recursos econômicos em prol das independências nacionais” (Nederveen, 2012, p. 6). Na perspectiva colonial, o desenvolvimento não estava atrelado à industrialização ou tentativa de superação do subdesenvolvimento (termo que só surgiria muitos anos depois), mas sim na garantia de melhores condições para a exploração de determinada região ou em categorias de explicação como “levar à sociedade aos povos bárbaros”.


Escravos na moagem de cana de açúcar, em Pernambuco.

Com o exemplo da economia colonial, podem-se notar algumas características fundamentais que sempre estarão atreladas à qualquer teoria desenvolvimentista: um contexto específico de hegemonia e uma explicação para justificar o processo de “desenvolvimento”. Como afirmou Nederveen, “(...) o pensamento e a política desenvolvimentista, então, são terrenos de hegemonia e contra-hegemonia. Nessa contestação de interesses, há muitos atores e múltiplos centros de poder e influência.” (p. 10). Tomando em conta todas essas variáveis supracitadas, podem ser criados quadros gerais das teorias desenvolvimentistas.


A partir do final do século XIX, se desenvolverá um novo pensamento desenvolvimentista, o chamado Catching Up. Neste período, que coincide com o estabelecimento da República no Brasil e com da Progressive Era nos Estados Unidos, a hegemonia britânica é suplantada por um pool de diferentes países com certo equilíbrio na balança de poder, com o desenvolvimento japonês e a expansão do colonialismo na África. O catch-up se refere a uma política de rápida industrialização dos países “atrasados” visando alcançar o “estado de desenvolvimento” dos países mais ricos. Neste processo, que tomava por base o quadro explicativo da economia política clássica, acreditava-se que haveria uma tendência natural dos países mais pobres a se desenvolverem mais rapidamente que os países ricos.

No pós-guerra, surge um pensamento desenvolvimentista que encara a modernidade como principal objetivo para a melhoria da vida da sociedade. Já sob o período da Pax Americana, novas categorias de explicação serão incorporadas ao escopo do desenvolvimentismo, como a teoria do crescimento e o funcionalismo estrutural. De forma geral, essas teorias, altamente abstratas e matematizadas, se preocupavam com as taxas de crescimento de um país praticamente como uma variável independente dos fatores locais, podendo ser aplicadas tanto em países desenvolvidos quanto países subdesenvolvidos.

FHC, um dos maiores expoentes da Teoria da Dependência.

Já em meados da década de 60, os padrões de hegemonia se dispersavam com a descolonização de dezenas de países e com o surgimento do conceito de Terceiro Mundo. As categorias neomarxistas e nacionalistas seriam incorporadas ao desenvolvimentismo, levando à criação de teorias produzidas pelo Sul Global que buscariam explicitar as possibilidades de desenvolvimento de forma distinta do que era realizado no mundo anglo-saxão. A teoria da Dependência, por exemplo, se revela como uma destas categorias.


No caso brasileiro, todas estas categorias gerais sobre o desenvolvimentismo influenciaram a formação de compreensões específicas sobre o desenvolvimentismo. Para Mantega (1997), o desenvolvimentismo produziu ao menos 5 grandes correntes no Brasil: i) o desenvolvimentismo nacionalista e democrático dos anos 50, produto das teorias do subdesenvolvimento da CEPAL; ii) o internacionalista e autoritário, hegemônico durante o período militar e produto das teorias do desenvolvimento equilibrado de Rosenstein-Rodan; iii) na mesma época da anterior, o de origem neomarxista, mais radical e cuja base pode ser encontradas nos marxistas americanos Paul Baran e Paul Sweezy e nas teses de Trotsky para países atrasados; iv) o da nova esquerda, que melhor articula as teses neomarxistas com perspectivas keynesianas e de outros autores, levando à Teoria da Dependência e à teoria do capitalismo tardio; e v) o do fim dos anos 80, apoiado na criação da análise da inflação inercial e que desemboca no neoliberalismo brasileiro.


Nos anos subsequentes, outras teorias desenvolvimentistas seriam criadas por todo o mundo para tentar responder às novas problemáticas e padrões hegemônicos que rapidamente surgiam no cenário internacional. Ao menos desde os anos 90, as visões de desenvolvimentismo suportadas pela adesão à mecanismos de controle financeiro e ajuste estrutural do Fundo Monetário Internacional (incorporando perspectivas do liberalismo econômico) e as recentes teorias do desenvolvimento humano apoiadas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) parecem ter se tornado as novas perspectivas desenvolvimentistas mainstream. Seria esse o fim da história do desenvolvimento?


Novas tendências do desenvolvimento


Como visto anteriormente, o desenvolvimentismo parece ser uma teoria que está em constante transformação. Se isso foi verdade tanto no âmbito nacional quanto internacional nos últimos 150 anos, não há razão para acreditar que o pensamento desenvolvimentista não continuará se renovando. Nos últimos anos, inovações que ocorreram em outros campos das Ciências Sociais vem reinventando a forma que podemos pensar as perspectivas desenvolvimentistas. Algumas destas contribuições que foram retiradas de outros campos são: o feminismo, sociologia da economia, a nova economia institucional, o interacionismo simbólico, entre diversos outros. Inclusive, o processo de interdisciplinaridade da Teoria do Desenvolvimentismo parece estar se aprofundando atualmente.


As teorias construtivistas também tem influenciando fortemente o pensamento desenvolvimentista contemporâneo. Neste aspecto, pelo menos três inovações podem ser notadas de acordo com Nederveen: 1) o pensamento desenvolvimentista se torna cada vez mais espacializado e local ou regional; 2) antes homogeneizador, a teoria desenvolvimentista passa a incorporar aspectos como a diversidade e a diferenciação; e 3) junto com a perspectiva anterior, deixa-se de lado as grande teorias ou esquemas gerais para uma maior ênfase na especificidade de cada caso.


Ao longo dos anos, múltiplas teorias do desenvolvimento foram desenvolvidas, muitas vezes com categorias explicativas e perspectivas completamente excludentes entre si. Assim, seria possível falar de atributos que unificam todas essas categorias? Ainda mais, é possível falar verdadeiramente de uma Teoria do Desenvolvimento?


 

Para saber mais:


MANTEGA, Guido. Teoria da Dependência Revisitada - um Balanço Crítico. FGV -EAESP, 1997.

NEEDERVEN, Jan Pieterse. Development Theory. Second Edition - University of California, Santa Barbara, USA, 2010.

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