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  • Foto do escritorRaoni Gonçalves

Cooperação Sul-Sul e a mudança do pensamento diplomático brasileiro a partir de meados do século XX

Atualizado: 10 de ago. de 2023

Com o objetivo de estar inserido na comunidade internacional, o Brasil traçou diversas estratégias de política externa em sua história. Ao longo do século XX, entendia-se que apoiar os Estados Unidos era sinônimo de desenvolvimento e acreditava-se que os dois tinham laços estreitos e horizontais em suas relações.


Influenciada pelo anticomunismo estadunidense, o Brasil implementou uma ditadura militar em 1964 que, de início, era pró-EUA. No entanto, com o governo Costa e Silva observou-se que depender das ações estadunidenses não resultava no seu próprio desenvolvimento e o afastava da comunidade internacional.

Com a percepção do governo Costa e Silva e o governo Médici de que a relação entre os dois países era desigual, o governo Geisel, ou seja, ainda na ditadura militar, mudou o foco da política externa, visando o universalismo, para poder se relacionar com vários parceiros e não apenas se limitar aos EUA.


Reconhecida como “pragmatismo ecumênico e responsável de Geisel”, sua política externa gerou atritos com o governo de Jimmy Carter pela série de aproximações feitas com o Sul Global, envolvendo países árabes, pelo petróleo, a Repúblicas Popular da China, a URSS e o apoio às independências de países africanos. Além de que Geisel rompe com o acordo militar de 1952, fator crucial para a declaração desse afastamento ao país norte-americano, devido à pressão dos EUA em prol dos Direitos Humanos no Brasil.


Vale reforçar que o governo Geisel não foi um período democrático e a proximidade com o Sul Global se construiu de forma diferente ao período pós-redemocratização. De forma geral, visando uma complementaridade econômica, o Brasil encontrou no Sul um espaço comercial para o seu projeto industrial, visto que não fazia sentido tentar vender produtos que os EUA não comprariam.


A aproximação com o Sul Global se manteve em governos posteriores. No governo Sarney, houve o maior projeto de cooperação científica e tecnológica do Brasil, o CBERS, junto à China, sendo considerado para alguns como também o maior projeto de Cooperação Sul-Sul, que envolveu acordos espaciais para a produção de satélites de observação da Terra. No governo Itamar Franco houve uma aproximação comercial estratégica Brasil-China para negociações comerciais, em que a primeira visita de Estado de Jiang Zemin nos anos 90 foi ao Brasil.


Ainda assim, a Cooperação Sul-Sul tem a Era Lula como grande referência. Com o governo Lula, a diplomacia brasileira passou a olhar para si mesma em prol do multilateralismo e autonomia enquanto ator global, prezando pelo seu próprio desenvolvimento. As relações com os Estados Unidos se mantiveram, porém, dessa vez, os interesses partiam do Brasil, nunca antes a política externa brasileira havia sido tão independente.


O início dessa nova era se dá quando o Brasil recusa ajudar os Estados Unidos na Guerra do Iraque (2003). Lula entendeu que a prioridade do país estava no combate à pobreza e não no apoio a uma guerra que não lhe afetava, assim carregando um novo olhar à política externa brasileira, pela construção e ascensão de uma nação de política externa autônoma, afastada de ideologias que não cabiam a sua realidade.


A ideia era defender interesses do Sul e se aliar a esses países em desenvolvimento, tendo o IBAS (Índia, Brasil e América do Sul) como o primeiro foro da Era Lula, reunindo um grupo de países do Sul. O projeto teve muito sucesso, havendo diversas cooperações, inclusive na área militar junto à Índia, país que atraía o Brasil por seus movimentos políticos. Ainda que as negociações fossem difíceis devido a sua burocracia complexa e forte influência de seus diversos estados, a aproximação com a Índia foi muito forte em negociações comerciais. Visto que a Rússia e China possuíam interesse de integrar ao G-3, o IBAS amplia e se torna o BRICS, em que se cria uma Subsecretaria para a Ásia no Itamaraty para se pensar o G-5.


A partir disso, a Cooperação Sul-Sul foi marcada por fortes relações com o continente africano, principalmente com os países que constituem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), pelo fortalecimento das relações que vinham iniciadas do governo Collor com a América do Sul e pelo crescimento de embaixadas brasileiras pelo mundo para marcar presença em diversos Estados e alcançar maior notoriedade.

Para muitos, o afastamento do Brasil nas relações com os Estados Unidos vinha por fatores explicitamente ideológicos. Contudo, foi um desprendimento estratégico para o desenvolvimento do Brasil, visto que o país não estava em situação de igualdade em suas relações como antes acreditava. Além de que, pensando a aproximação com Hugo Chávez, por exemplo, as relações com a Venezuela já vinham sendo feitas desde a Era Collor, sendo apenas mantidas na Era Lula.


Dessa forma, percebe-se que, ao longo dos anos, a política externa se renovou ao perceber que apoiar os Estados Unidos não era sinônimo de se manter ativo na comunidade internacional. Antes do período atual de retrocesso em sua diplomacia, o Brasil criou um legado ao entender que para se tornar de fato independente deveria se aliar àqueles países que estivessem com realidades próximas às suas, passando a visar seu próprio caminho através da Cooperação Sul-Sul em busca de ideais próprios, não ideologias estadunidenses que apenas visavam o controle de território.

 

Para saber mais:


Artigo: SPEKTOR, Matias. Origens e direção do pragmatismo ecumênico e responsável (1974-1979). In: Revista Brasileira de Política Internacional, v. 47, n. 2, p, 191-222, 2004.

Conferência "As Relações Brasil-Ásia nos governos do Partido dos Trabalhadores" do Centro de Estudos Asiáticos da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Documentário “Aide Mémoire: Caminhos da diplomacia brasileira” (1997), oferecido pela FUNAG.

Documentário: “A Era dos Gigantes” (2016), de Maurício Costa e Roteiro Anttonio Amoedo.

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