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  • Foto do escritorTomás Paixão

Conceitos do Sul: a integração regional e o regionalismo na América Latina

Atualizado: 10 de ago. de 2023

Si bien América Latina, se divide en un número determinado de países, ningún continente parece estar tan cohesionado históricamente como el nuestro, en el que cada periodo histórico de un país, es la réplica o el anticipo del país vecino”.


A frase acima explicita a unicidade histórica compartilhada entre os diferentes países que formam a América Latina, ligada sempre a um sentimento de luta que pouco se confunde com outras partes do globo. Constantes quebras dos regimes democráticos, a desigualdade social extrema como embrião das lutas nos campos e nas cidades, a convergência do poder político e econômico na mão de poucos e o modelo agroexportador são apenas algumas das semelhanças entre nossas nações. De que forma teriam surgido os processos integracionistas destas regiões? Do mesmo modo, quais seriam as múltiplas visões sobre os nossos processos de integração?


A compreensão destes processos passa primeiramente pela revisitação da multiplicidade de sentidos que podem ser atribuídos à integração regional e ao regionalismo. Sobre o primeiro tópico, de forma geral, “a expressão “integração regional” designa o processo pelo qual os territórios pouco ou nada conectados uns aos outros formam pouco a pouco um conjunto regional distinto do resto do mundo” (RICHARD, 2014), sendo este conjunto de relações muito mais complexo do que apenas a soma entre as diferentes partes. É importante frisar que estes relacionamentos inter-regionais podem assumir diversas facetas: acordos regionais, blocos econômicos (como o MERCOSUL), o aumento da circulação de indivíduos e empresas nos territórios regionais; entre muitos outros.

O conceito de regionalismo, por sua vez, também é utilizado de forma a relacionar-se a fenômenos bastantes distintos. De acordo com Hurrel (1995), tomando em conta a visão positiva geral que boa parte do debate político e acadêmico tem sobre a regionalização, esta pode ser dividida em pelo menos cinco categorias fundamentais, sendo estas: i) regionalização, a qual alguns autores chamam de soft regionalism e atribui uma centralidade dos processos econômicos autônomos e à crescente circulação de pessoas, atitudes políticas e modos de pensar; ii) a consciência e identidades regionais, relacionando à visão compartilhada de pertencer à determinada comunidade; iii) a cooperação regional entre os Estados, claramente estatistas, formulados para proteger e ampliar a atuação do Estado; iv) a integração econômica regional promovida pelo estado, destinada a romper barreiras ao intercâmbio de serviços, bens, capital e pessoas; e v) coesão regional, referindo-se à possibilidade dos quatro processos anteriormente citados levar ao surgimento de uma unidade regional mais consolidada. Para o estudo da integração latino-americana, estes conceitos serão utilizados.

Simón Bolívar, conhecido como Libertador da América

Estando presentes no ideário de parte de seus povos desde o período da colonização e encarnados pelo sonho latinoamericano de Símon Bolívar, o regionalismo e a integração regional na América Latina devem ser entendidos de modo a comprender esses diferentes significados. Ampliando esta perspectiva, Bianculli (2016) regionalism in Latin America has proceeded in waves”. De acordo com o autor, o regionalismo na América Latina pode também ser definido pela pluralidade de atores e instituições, sendo estas tanto complementares como competidoras a outras iniciativas de integração, o que tornaria ainda mais complexo uma percepção unilateral do processo de regionalismo em nosso território. Deste modo, a partir da comparação das similaridades das formações históricas de grande parte das populações da América Latina em contrapartida à multiplicidade de instituições envolvidas, a ambiguidade pode ser uma das principais características no processo de integração regional.

A própria conceituação do que seria a América Latina também transpassa essa mesma ambiguidade. Os diferentes paradigmas que formam a identidade nacional do nosso continente, atuando sempre em conjunto do mesmo modo, apesar de em determinados momentos históricos algum destes ser priorizado em relação ao outro, moldarão a “onda de integração” – ou seja, a forma e o impacto das iniciativas de integração nos países latino-americanos –. A primeira destas visões urge no seio das ideias bolivarianas, que defendiam a formação de um bloco político que aproximasse às nações recém-independentes para protegê-las contra as ameaças imperialistas e garantisse uma perspectiva de desenvolvimento, ideia retomada com a eleição de governos de esquerda na América Latina na primeira década do século XXI. A segunda visão, por sua vez, foi fortemente promovida pelos Estados Unidos da América, a partir da realização de diversas conferências pan-americanas (1889-1930) e da Doutrina Monroe (1811), que tinham por objetivo promover a criação de instituições multilaterais promotoras da democracia, livre-comércio, segurança regional e que protegesse os “interesses americanos” contra os países europeus.

Como dito anteriormente, estas duas visões moldaram a criação, manutenção e transformação de diversas instituições na América Latina. Assim, essas perspectivas sobre a América Latina fizeram surgir ao menos dois modelos principais de regionalismo em nosso território, compondo outro argumento central de Bianculli sobre a integração latino-americana: i) o regionalismo antigo, centrado principalmente na busca pela industrialização pelo protecionismo e reduzir a dependência do comércio internacional, além de poder ser exemplificado por iniciativas como a LAFTA, a CARICOM e o Grupo Andino; e ii) o regionalismo novo, influenciado principalmente pelo fim da Guerra Fria e volta dos regimes democráticos na América Latina, centrado em uma visão de um regionalismo mais amplo, multilateral, estimulando ‘technological innovation, production, integration and equity, through more active social policy to promote the incorporation of these countries in the global economy”. Há também uma visão ainda mais contemporânea do regionalismo que pode ser ou não categorizada como uma terceira via – mas de qualquer modo, muito influenciada pelas anteriores -, observada principalmente em instituições como a UNASUL, à medida que entendem a regionalização como muito mais que a atividade econômica, englobando também a segurança, defesa, saúde, migração e a educação.

Enquanto as duas primeiras formas de enxergar o regionalismo partem da busca pela já citada busca de maior independência ou participação no mercado global, a última pode ser caracterizada, em importante ponto de Bianculli, “como uma tentativa de responder às transformações regionais e globais, resultantes de um descrédito crescente às políticas neoliberais e (...) ao fim da hegemonia dos Estados Unidos”. A UNASUR e a ALBA, deste modo, são bons exemplos de como os países latinoamericanos foram criadas de modo a responder às transformações no cenário geopolítico internacional. Apesar disso, atores externos como a União Europeia e a China também têm tido um papel bastante relevante na transformação de nossas estruturas de regionalização, explicitando a forte influência de outros Estados em nossos processos de integração. No âmbito interno, além disso, “a democracia e a diplomacia presidencial parecem serem fatores bastante relevantes para as iniciativas integracionistas" na América Latina” (Bianculli, 2016).

Desde 2010, porém, nota-se na América Latina a chamada "guinada conservadora", que levou ao poder diversos governos autodenominados de direita ou neoliberais. Nesse âmbito, instituições como a UNASUR estariam fadadas ao fracasso, sob fortes acusações por parte dos novos estadistas de "ideologização de esquerda" e ineficiência. Por iniciativa do presidente chileno Sebastian Piñera, seria criado em 2019 o Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (PROSUR) com o objetivo de substituir a UNASUR, visando retomar as perspectivas do regionalismo novo. De acordo com o site da instituição, a instituição buscará “integração em matéria de infraestrutura, energia, saúde, defesa, segurança e combate ao crime, prevenção e manejo de desastres naturais. Em um momento de pandemia, a instituição tenta ainda coordenar a obtenção de vacinas por todo o continente, mas, até o momento, não houve nenhuma grande ação significativa do Fórum.

Enfim, a integração latino-americana deve ser entendida pela multiplicidade de instituições e pelas diversas prioridades que foram dadas ao longo das diferentes “ondas” do regionalismo. O entendimento das diferentes abordagem sobre integração regional e regionalismo são fulcrais para este processo. Do mesmo modo, para os próximos anos, as transformações políticas que estão ocorrendo no continente serão fundamentais para trazer novos sentidos a esses conceitos.

 

Para saber mais:

- Livro The Oxford handbook of comparative regionalism, de Tanja A. Börzel e Thomas Risse, publicado originalmente em inglês pela Oxford University Press;



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