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  • Foto do escritorCesar Henrique de O. Costa Jr

Carlos Castaneda

Atualizado: 10 de ago. de 2023



“Qualquer caminho é apenas um caminho e não constitui insulto algum – para si mesmo ou para os outros – abandoná-lo quando assim ordena o seu coração. Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas julgar necessárias. Então, faça a si mesmo e apenas a si mesmo uma pergunta: possui esse caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui importância alguma." 
Carlos Castaneda, "The teachings of Don Juan"

É provável que o leitor nunca tenha ouvido falar do escritor e antropólogo latino americano, Carlos Castaneda. Pouco conhecido hoje em dia por aqui, o autor viveu uma vida recheada de mistérios e controvérsias. Para muitos, foi um pesquisador brilhante, que se tornou muito sábio e bem à frente de seu tempo. Para outros, foi um charlatão que usava as crenças ancestrais para vender livros que não diziam nada. O fato é que seus escritos foram essenciais para o movimento "New Age" nos Estados Unidos, além de serem um grande ponto de partida para buscar os conhecimentos dos povos nativos americanos. Por isso, independente da visão que se tenha, foi um personagem importante para buscar novas visões de mundo. Vamos tentar narrar um pouco de sua história por aqui.


O Homem só e sem pátria


Podemos perceber que não é um personagem fácil de se entender, quando a controvérsia já começa com sua origem. O autor alegava ter nascido no Brasil, em 1935, no antigo munícipio de Juqueri, interior de São Paulo, que hoje se desmembrou em diversos outros munícipios. Porém, ainda em 1973, a revista estadunidense Time fez uma reportagem onde apresentou documentos da imigração do autor que mostravam que ele era na verdade peruano, vindo de uma cidade chamada Cajamarca, que é uma região agrária do norte andino do Peru, e teria nascido em 1925, dez anos antes do que ele afirmava. Com a controvérsia, a revista teria dado a alcunha de "um homem só e sem pátria" a Castaneda.


Da mesma forma, perduram duas versões quanto ao seu percurso de vida. Enquanto que algumas fontes indicam que acompanhou a família na mudança para Lima, dando ingresso no Colegio Nacional de Nuestra Señora de Guadalupe e estudando depois Pintura e Escultura na Escola Nacional de Belas Artes, indo aos Estados Unidos somente com vinte e cinco anos com a morte de sua mãe. O autor alegava ter sido criado pelos avós no interior do Brasil, levado para um colégio interno em Buenos Aires, entrando nos Estados Unidos da América aos quinze anos de idade.


Independentemente da versão, Castaneda foi um rapaz latino americano, de descendência indígena que imigrou jovem aos Estados Unidos. Por lá, ingressou na Universidade de Los Angeles (UCLA) para estudar Artes Plásticas e depois conseguir um título de mestre e doutor em Antropologia na mesma instituição. Os dados sobre sua vida são difusos, pois o próprio autor fez questão de apagar seus rastros por questões ligadas as suas crenças que veremos abaixo. Porém, por suas poucas entrevistas, sabe-se que sua vida nos Estados Unidos não foi fácil no princípio. Trabalhou em diversas ocupações para se manter no país, antes de se tornar professor. Em 1959, se naturalizou estadunidense, no processo adotou apenas o sobrenome materno, tirando o ñ por apenas n, se tornando apenas Carlos Castaneda.


Os ensinamentos de Don Juan


Na década de 1960, ao tentar se inserir na carreira acadêmica, resolveu viajar para o deserto de Sonora, no México, para realizar uma pesquisa com um xamã da tribo Yaqui, chamado Don Juan Matus. Seu interesse, inspirado pelo livro "As Portas da Percepção" de Aldous Huxley e pelas comunidades alternativas que surgiam no período, como os hippies, eram nas chamadas plantas medicinais que eram usadas pelos nativos americanos de forma ritualística, sobretudo o Cacto Peiote. A partir desse encontro toda a vida do autor mudou completamente. Castaneda teria se tornado um aprendiz do xamã, adquirindo assim todo os conhecimentos antigos dos nativos americanos.


Cacto Peiote

Ao todo, serão onze livros, todos autobiográficos sobre a experiência e aprendizado do autor com o mestre xamã. Seu primeiro livro, "The Teachings of Don Juan" (no Brasil, "A Erva do Diabo: os ensinamentos de Don Juan"), lançado em 1968 e que também foi sua dissertação de mestrado, o deixou mundialmente famoso. Foi uma obra muito importante para o movimento Hippie e da contracultura, além de ser considerado uma das obras precursoras do movimento da New Age (Nova Era), nos Estados Unidos. O escritor virou uma espécie de "guru", influenciando milhões de discípulos em todo o mundo, entre os quais estavam famosos como John Lennon, Deepak Chopra e Federico Fellini.


Primeiro Livro de Carlos Castaneda

Do ponto de vista antropológico, foi inicialmente muito bem recebido como uma pesquisa inovadora. Tanto que recebeu o título de mestre, o que o fez voltar ao México para preparar sua tese de doutorado, que também foi publicada como livro, "The Journey to Ixtlan" (no Brasil, "Viagem a Ixtlan"). Diversos aspectos de seu trabalho chamaram a atenção, porém um dos que ficou mais em voga foi a descrição de estados alterados de consciência induzidos por alucinógenos (como o Cacto Peiote). Motivo pelo qual passou a receber diversas críticas por "incentivar" o uso dessas substâncias, fato que fez seu trabalho até ser monitorado pelo FBI, ao suspeitar de que era o líder de alguma seita perigosa.




No entanto, foi a matéria da revista Time de 1973, que ao evidenciar contradições sobre o autor, o levou a ser desacreditado por muitos, incluso a comunidade científica. Além das evidências da mentira sobre a sua origem, a revista levantou motivos para questionar seu trabalho acadêmico. O principal argumento era de que o trabalho do autor não era verificável, portanto, sem validade científica. Além disso, Castaneda nunca teria apresentado seus diários de campo de experiência, os dados sobre a cultura yaqui que teria mencionado não coincidem com os coletados por outros estudiosos e em sua obra há uma certa contradição de datas. Muitos começaram, inclusive, a questionar se de fato o xamã Don Juan teria existido, ou se tudo não fazia parte de uma narrativa de ficção literária.


Após essas controvérsias, o escritor se transformou num mistério para a imprensa, passando a viver recluso, com entrevistas cada vez mais raras. Abandonou o posto de professor na UCLA, passando a se dedicar totalmente ao seu trabalho como xamã. Sua única comunicação com o público passou a ser os livros que continuou produzindo. Até porque, mesmo com as fortes dúvidas deixadas por sua obra, o autor continuou com milhares de seguidores por todo o mundo. Na década de 90, no livro de entrevistas chamado "Conversando com Carlos Castaneda", da jornalista Carmina Fort, o autor lamentou a decisão da Time de publicar os dados, que segundo ele, foram inseridos porque a revista precisava de uma história para desacreditá-lo. Além disso, o autor ironizou o esforço que a matéria fez em situar a sua ascendência indígena para esse objetivo.


"Somos tão desconhecidos como o Desconhecido em si"


De certa forma, era inevitável que o trabalho acadêmico de Castaneda desse lugar à controvérsias. Teria realmente existido Don Juan, ou foi tudo produto da imaginação do autor? Não tem como saber a verdadeira resposta para esta pergunta. Porém, independentemente, seu trabalho visava traduzir modos diferentes de conhecimento. A ideia era compreender a cultura nativa americana em termos científicos. Porém, para muitos, ele acabou se tornando mais nativo do que cientista. Mas porque isso é um problema? Portanto, a questão relevante que fica, não são as contradições sobre a vida e a obra de Castaneda, mas sim as que elas levantam a cerca da nossa produção de conhecimento em si.


A obra do autor ofendeu certa prática antropológica, cuja a tendência era ( e ainda é) falar de si através do outro, alegorizar suas próprias realidades, deslegitimando as realidades alheias. Existe uma impossibilidade de compreender e julgar o conhecimento do outro a partir do seu próprio ponto de vista. Nas palavras do autor "É inútil ver o desconhecido em termos do conhecido". Por isso, o próprios Castaneda dizia que informações sobre a sua vida não importavam, até porque ele já não era mais aquele cara, tinha se tornado um xamã nativo. Pode até ser que seu trabalho seja fruto de sua imaginação fértil, portanto, não científico. Contudo, suas palavras têm ou não valor a cerca do conhecimento?


 

Para saber mais:


Foto: Carlos Castaneda, 1962, Wikipédia


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