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  • Foto do escritorTomás Paixão

As dimensões da colonialidade

Atualizado: 11 de ago. de 2023

As sanguinárias independências das colônias luso-espanholas do início do século XIX não levaram à uma verdadeira reestruturação do ideário eurocentrista dos povos da América Latina. As relações coloniais de poder e hierarquia se fazem presentes em meio a uma rede cada vez mais complexa de trocas interculturais em um mundo globalizado. Nesse sentido, a colonialidade é um marco da própria construção da modernidade, fazendo com que nosso imaginário seja construído a partir de binarismos e hierarquias.


O conceito supracitado, desenvolvido pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano e com importantes contribuições dos argentinos Walter Mignolo e Enrique Dussel, revela uma nova visão sobre os processos interculturais e relações de poder existentes no Sul Global. Fortemente influenciado pelas perspectivas apresentadas por estudos anteriores de grandes nomes já citados por aqui, como os de Frantz Fanon, Aimé Cesaire e W.E.B du Bois, em termos gerais, a colonialidade será estruturada em três dimensões: o poder, o ser e o saber. Esses elementos afetam nosso imaginário e possuem resultados materiais sobre nossos povos, além de moldarem a formação do sistema internacional.


Charge representando a Conferência de Berlim, que repartiu o continente africano entre as potências europeias

Sobre a primeira dimensão, a colonialidade do poder se refere à união histórica entre a ideia de raça como instrumento de classificação/controle social e o desenvolvimento do capitalismo mundial, definido criticamente como moderno, eurocêntrico e colonial. Buscando romper esta visão, a desigualdade e a pobreza presentes nas nações do Sul Global não podem ser superadas com uma visão conciliadora entre dominantes e dominados, indígena e colono, latino-americanos e europeus. Pelo contrário, ela deve partir do questionamento da posição subalterna dos conhecimentos e identidades dos nossos povos frente aos saberes produzidos por sociedades europeias.


Charge representando a repartição do mundo entre as forças hegemônicas

Por sua vez, a colonialidade do ser faz com que o Sul Global incorpore um discurso e uma história colonialista que contrasta a Europa do restante dos povos e culturas do planeta, opondo a moderna figura ‘Deles’ ao atrasado entendimento de ‘Nós’. No imaginário popular do Sul Global, então, passa a ser essencial alcançar uma sonhada modernidade europeia a todo custo; uma sociedade avançada que se diferenciaria da verdadeira barbárie do povo mestiço.


Na perspectiva de Quijano, a própria metodologia da Ciência também seria um fator fundamental para a continuação das reminiscências típicas do colonialismo, excluindo a possibilidade de veracidade de outras narrativas e modos de interpretar o mundo. Essa colonialidade do saber criaria uma hierarquia entre os conhecimentos produzidos nas metrópoles — tidos como teorias ou verdades — e os da colônia — classificados como apenas conjecturas, não-científicos, atrasados, inferiores.


Os questionamentos levantados a partir de tais conceitos vem sendo fundamentais para recentes atualizações na área de Relações Internacionais. Visto sobre a perspectiva da manutenção da colonialidade, este campo de estudo revela características predominantemente eurocêntricas, projetando um panorama do sistema internacional e de seus respectivos atores com base na visão de mundo dos países centrais. Conceitos como o Estado Nacional e o ambiente anárquico do sistema internacional são geralmente apresentados como verdades absolutas, mas acabam por subjugar ou excluir toda uma gama de possíveis interpretações que faria mais sentido ao contexto do Sul Global.


Soldados estadunidenses celebram invasão do Iraque com bandeira dos EUA ao lado da iraquiana

Os efeitos da colonialidade, porém, não se expressam apenas no campo do ideário das populações colonizadas. O conceito de Estado frágil, tão usado para legitimar operações de paz e invasões/intervenções em países da América Latina, da África e da Ásia, pode ser entendido como um dos diversos casos em que o uso de determinada terminologia acaba por resultar em efeitos negativos bastante práticos aos territórios fora do eixo hegemônico.


A luta do Bússola do Sul é propor uma mudança dessa perspectiva eurocentrista, olhando profundamente para nossas histórias, narrativas e cicatrizes que até hoje marcam nossos imaginários. Trazendo as teorias e perspectivas de nossas populações colonizadas para o centro das análises internacionais, celebramos a diversidade das nossas culturas e a abundância do conhecimento produzido por aqui. Apenas entendendo e combatendo a colonialidade que ainda está dentro de cada um de nós, podemos traçar caminhos e modelos que acompanhem as necessidades do Sul Global.

 

Para saber mais:


- Livro A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais - Perspectivas latino-americanas, organizado por Edgardo Lander, disponível gratuitamente pela CLACSO;


- Livro Discurso sobre o Colonialismo, de Aimé Césaire, republicado recentemente pela editora Veneta;


- Livro Pele Negra, Máscaras Brancas, de Frantz Fanon, publicado pela EDUFBA.

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