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  • Foto do escritorTomás Paixão

A história compartilhada da América Latina: o Brasil é latino-americano

Atualizado: 10 de ago. de 2023

Si bien América Latina, se divide en un número determinado de países, ningún continente parece estar tan cohesionado históricamente como el nuestro, en el que cada periodo histórico de un país, es la réplica o el anticipo del país vecino”. Retirada do artigo “Dictaduras en América Latina 1960-1980”, a frase explicita a unicidade histórica compartilhada entre os diferentes países que formam o nosso continente, ligada sempre à um sentimento de luta que pouco se confunde com outras partes do globo.


Constantes quebras dos regimes democráticos, a desigualdade social extrema como embrião das lutas nos campos e nas cidades, a convergência do poder político e econômico na mão de poucos e o modelo agroexportador são apenas algumas das semelhanças entre nossas nações. Quais são os principais processos socio-históricos que unem os Estados da América Latina?

Os pontos convergentes de nossas histórias


Primeiramente, deve-se enfocar em um dos mais evidentes elementos de coesão de nossas histórias: as ditaduras militares que tomaram parte em nossos territórios. Durante meados da década de 60 até os anos 80, a América Latina se apresentou como terreno fértil para a ruptura dos regimes democráticos, sendo estes considerados, paradoxalmente, “uma saída para a ordem governamental”. De Geisel à Pinochet, direitos humanos eram gravemente violados e a Constituição era rasgada em busca da luta contra a ideologia comunista que se espalhava por todo o continente. Muitas características contribuíam para a eclosão destas quebras constitucionais e democráticas na América Latina. Desde o século XVIII, após as independências dos povos da América, se estabeleceu um novo grupo de poderio hegemônico que substituiria o domínio europeu: os comerciantes emergentes, mineiros, fazendeiros e cafeicultores. A partir da acumulação de capital e exploração do trabalhador rural, estas oligarquias também conquistariam o poder político, governando apenas em favor de seus próprios interesses. Quanto mais se aprofundava a dependência econômica do país a esse setor da sociedade, mais influência estes grupos tinham sobre as políticas nacionais. Esta convergência de poder político e econômico marcou a atual e pujante desigualdade social em países como o Brasil, a Argentina e o México. Há menos de 200 anos, a escravidão e o inquilinato ainda faziam parte do dia-a-dia dos latino-americanos, fazendo com que o racismo e o preconceito de classe ainda sejam alarmantes em nossas sociedades. Da mesma forma, ainda se valoriza uma política centralizada e paternalista, numa relação demagógica entre os governantes (que buscam manter controle sobre sua massa de manobra, que tem o poder do voto) e a população mais humilde.


Política do Café com Leite (poder entre MG e SP).

É importante lembrar também que o modelo econômico sustentado pelas elites que governam o país desconsidera a grave urgência por uma reforma agrária na América Latina. Em nosso território, a agricultura é essencialmente de monocultura e exportadora, criando uma grave dependência de nossos povos do Norte, atrasando o investimento em inovações tecnológicas, industrialização e empobrecendo nossos povos. A pauta de inovação tecnológica será uma questão fundamental nas Ditaduras Militares.


Pinochet, ditador do Chile entre 1973 e 1990.

Além disso, durante os períodos iniciais de domínio oligárquico sobre a América Latina, diversos movimentos sociais de classe, étnicos e territoriais buscaram libertar o povo das mazelas que sofriam, principalmente no campo. Assim, em busca da defesa de seus interesses, foi necessário que as classes que detinham o poder investissem na profissionalização das Forças Armadas de toda a América Latina, principalmente com inspiração prussiana. Esta reorientação de conduta das forças militares latino-americanas apontaria para o avanço do conservadorismo e ”elaboração da imagem do militar-autoridade com participação política e legítimo poder repressivo”, que se ratificará no imaginário de nossos povos. Desta forma, centrada principalmente na figura de um ditador carismático e geralmente populista, as ditaduras encontraram fértil terreno para derrubar os regimes democráticos que se instalavam por aqui. Em nenhum outro lugar do globo, a Democracia foi tão fragilizada e desnaturalizada como na América Latina. Em aliança com os grandes banqueiros e fazendeiros, os governos militares excluíam as classes os setores rurais e as classes trabalhadoras urbanas, remodelando o projeto político de país com um discurso desenvolvimentista, porém que aprofundava muito as desigualdades sociais e ampliava a dívida externa.


O discurso era essencialmente o mesmo: ‘temos que fazer de tudo para restaurar a ordem e afastar o fantasma do comunismo”. A partir da imposição da força e da repressão, grande parte dos partidos de esquerda dos países são tornados ilegais ou perseguidos e intensifica-se o processo de violação aos direitos humanos em toda a América Latina. Muito influenciado pela polarização do mundo em meio à Guerra Fria, o apoio americano – às vezes indireto, apenas com o aval das embaixadas americanas, às vezes direto, com o investimento de milhões de dólares e doação de armas aos respectivos Exércitos - também passa a ser essencial para combater o avanço do marxismo-leninismo nos países latino-americanos. Um bom exemplo que ratifica esse esforço americano em conter o comunismo é o Plano Condor. De forma geral, apenas por volta da década de 80 os regimes democráticos começaram a ser restituídos na América Latina. Desta forma, esta história compartilhada da América Latina ainda marca profundamente o ethos de nossas sociedades e a identidade do povo brasileiro. Apesar de muitas vezes o Brasil negar seu senso de latinidade e buscar mirar seu horizonte de desenvolvimento aos Estados Unidos e povos europeus, formamos um bloco de países com problemas estruturais e expressões culturais bastante similares.

A luta diária do cidadão latino-americano

A máxima que afirma que “sou brasileiro e não desisto nunca” está relacionada ao fato de que a população brasileira, assim como todos os outros latinos, possui dentro do mais íntimo espaço da alma, um sentimento de luta diária. O discurso político hegemônico no Brasil que defende a distância entre nosso povo e o resto da América do Sul devido à língua e nossa herança portuguesa contribui fortemente para o enfraquecimento da mobilização das políticas integracionistas e, consequentemente, diminuição do poder de negociação do bloco regional frente aos outros povos imperialistas.

Reconhecer que nossas sociedades são estrutural e culturalmente diferentes dos países-modelos que adotamos como referência para construção de nossas políticas de desenvolvimento é a única forma de reequilibrar a balança de poder do mundo e diminuir a desigualdade social. A reforma agrária, a valorização do indígena, o “jeitinho” que perpassa as ações do nosso dia-a-dia e a busca pela igualdade são movimentos que não podem ser deixados de lado na confecção do projeto de Estado de qualquer país da América Latina. Enfim, conclui-se que são evidentes as proximidades dos processos históricos formadores dos povos da América do Sul e Central e, assim, apesar do discurso vigente atualmente em território brasileiro, que nosso povo também se imaginar como cidadão latino-americano. A cooperação entre os povos e nações latino-americanas é fundamental para que superemos os problemas que, apesar das diferenças locais, todos nós compartilhamos.

 

- Livro História da América Latina, de Maria Ligia Prado e Gabriela Pellegrino, publicado pela Editora Contexto.

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