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  • Foto do escritorFelipe Vidal

A cidade palestina de Rawabi

Atualizado: 10 de ago. de 2023

Em meio ao impasse que historicamente permeia a região da Cisjordânia há muito mais vida real do que estamos acostumados a considerar. O imaginário popular dá conta de construir em nossas mentes grandes espaços de terra arrasada e conflito permanente. Seria leviano dizer que não há nada de verdade nesse cenário, mas a complexidade que cerca a vida dos palestinos envolve tantos fatores quanto qualquer outro grupo populacional. Um dos fatores que sem dúvida está presente no difícil cotidiano de um palestino habitante da Cisjordânia é a busca por algo de normalidade em seu duro cotidiano. Tal busca gera produtos culturais valiosíssimos, sendo muitos deles voltados à construção de uma resistência quanto à ocupação israelense na região. No entanto, uma recente iniciativa no sentido de enaltecer as capacidades palestinas chamou atenção do mundo: o projeto da construção de uma cidade inteligente em plena Cisjordânia.


Idealização do projeto


Batizada de Rawabi, a primeira cidade planejada do local teve sua construção iniciada em janeiro de 2010 e foi projetada para abrigar até 40 mil palestinos divididos em seus seis bairros. Tal número baseia-se no fato de 6 mil unidades habitacionais fazerem parte do plano inicial. Localizada a nove quilômetros de Ramallah, a cidade mais importante da região, Rawabi possui ainda proximidade com outros locais chave na dinâmica da região, sejam eles na mesma Cisjordânia, em Israel ou até mesmo na Jordânia.


O esqueleto da cidade de Rawabi no alto de uma colina

A localização do núcleo urbano foi a principal inspiração para o nome da cidade, já que Rawabi significa, em árabe, algo como "As Colinas" e as dezenas de prédios altos que são erguidos se situam no alto de uma colina. Segundo a Fundação Rawabi, órgão que lidera as iniciativas para o desenvolvimento social, econômico e cultural da cidade, os gastos com o projeto já ultrapassam a casa dos bilhões de dólares. A resposta para a pergunta quanto à origem desse dinheiro é crucial para a melhor compreensão da relevância da iniciativa.


Logomarca do projeto de construção da cidade de Rawabi

O slogan "construída por palestinos e para palestinos" foi adotado como propaganda oficial do projeto, que conta também com uma logomarca e outros aparatos para nenhum empreendimento imobiliário convencional botar defeito. A frase emblemática em muito se baseia no fato da fagulha para a implementação do plano vir do empresário palestino Bashar Masri. Natural da cidade vizinha de Nablus, Masri fez boa parte da sua carreira empresarial nos EUA e alega ter já criado mais de dez mil postos de trabalho nos esforços de construção da futura Rawabi, empregando tanto jovens talentos locais, recém-formados no nível superior, quanto mão de obra para a construção civil.


Polêmicas e controvérsias


Empresário palestino Bashar Masri com a cidade de Rawabi ao fundo

Apesar das declarações de Masri darem conta de que "(...) Rawabi faz parte do projeto de construção nacional palestina", a mesma visão não é compartilhada dessa forma por todos os grupos que compõem o complexo cenário local. Do lado israelense, a nova cidade é comumente chamada de "Modi'in palestino", em alusão à cidade em Israel que possui estética ligeiramente parecida e é localizada em colinas, tal qual o projeto palestino. Variando entre o inofensivo e o jocoso, dependendo do interlocutor, comparações entre os vizinhos acabam sendo sempre problemáticas no já intrincado contexto.


Já dentro da Cisjordânia, alguns movimentos pela independência da palestina são críticos ao projeto sob o argumento de que construir um diálogo com Israel, a ponto de permitir o intercâmbio de tecnologia que facilite sua construção, seria uma traição ao apelo por autonomia. Vale lembrar que, ainda em 2014, os primeiros 650 apartamentos de Rawabi foram vendidos para abrigar cerca de 3 mil pessoas, que no entanto não puderam se mudar de imediato devido à falta de água. Foi necessário um ano de negociações até que Masri anunciasse ter conseguido conectar a cidade modelo com o sistema de distribuição controlado por Israel.


Por último, e talvez mais relevante ao cenário internacional, vale a pena observar com atenção o fato de Rawabi ser "construída por palestinos e para palestino", mas nem tanto. O projeto na verdade conta com robustos investimentos de dinheiro do Catar, fazendo parte do esforço do país em construir uma imagem positiva para o mundo, de maneira similar à controversa realização da Copa do Mundo FIFA de 2022. No caso palestino, a colaboração catari pode ser interpretada como indo ainda além, já que denota um posicionamento no xadrez geopolítico da região.


Cenário atual


Interior de um apartamento em Rawabi, com todos recursos que podem ser encontrado em apartamentos de classe média em grandes centros urbanos

A situação de Rawabi hoje é de lento avanço na construção das moradias, mas manutenção, por parte dos idealizadores, da intenção em construir um centro econômico e de referência para empresas emergentes na região da Cisjordânia. Mais de 1200 apartamentos já foram vendidos e a população é estimada em 4 mil pessoas, mas uma parcela significativa dessas pessoas não habitam por lá permanentemente, devido a falta de infraestrutura.


Bashar Masri diz não ver problema em Rawabi ser comparada atualmente a uma cidade fantasma, já que conta com apenas 10% de ocupação e, consequentemente, ter suas ruas vazias. O mesmo alega que a intenção é criar um hub tecnológico para que empresas surjam no local e fomentar o orgulho palestino em relação a sua capacidade de criar e se autogerir. No entanto, somente o futuro dirá qual será a relevância de Rawabi no contexto da ocupação da Cisjordânia, bem como qual será o preço cobrado pelo apoio estrangeiro, caso exista um.

 

Para saber mais:



- Matéria Inside Rawabi: A new West Bank city built by a Palestinian for Palestinians, com entrevista de Bashar Masri para BillWhitaker, da CBS News;



- Reportagem Nasce a primeira cidade para a classe média de uma Palestina sem Estado, de Juan Carlos Sanz para o El País.

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